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Uma floresta a prazo

Nas minhas deambulações por esta região e perante a inegável beleza das, cada vez mais, raras paisagens (quase sempre compostas por uma harmoniosa mistura de floresta e montanha), assalta-me uma grande ansiedade, perante a elevada probabilidade de esta floresta que agora me proporciona bem-estar, equilíbrio, ar puro e vida selvagem, ser reduzida a cinzas, mais verão, menos verão. Essa aflição é tanto maior quando constato que a invasão do Parque Natural da Serra da Estrela, vai ser facilitada pela maldita Estrada Verde ou pelas máquinas e trabalhadores que, durante os próximos anos, irão colocar “ventoinhas” em tudo o que são colinas, em prol de um ambiente melhor, sem, no entanto, deixar de ter custos ambientais. É a ditadura do Aquecimento Global, com a qual concordo apenas numa pequena fracção, a da maior eficiência energética.

Portugal, no que vai de ano, e a nossa região, em particular, não se podem queixar dos fogos. Será o resultado de um verão mais fresco, estarão os incendiários de folga, os madeireiros de barriga cheia, os bombeiros incendiários zangados com Nero, as empresas que vendem produtos para extinção de fogos terão ido fazer negócio para Espanha ou Grécia, ou será que os nossos habituais bodes expiatórios deixaram de o ser? Para quem nos iremos virar a seguir? Penso que, se não temos mais fogos, é porque este verão (ainda) está fresco.

A aplicação da lei, que já existe, de forma continuada e, se necessário, de forma coerciva, sobre proprietários agrícolas e florestais, onde se inclui o próprio estado, obrigando à limpeza da floresta e mato, mas ao mesmo tempo estimulando essa manutenção, com a criação de uma rede de recolha dos resíduos de biomassa florestal, os quais seriam valorizados energeticamente em centrais de biomassa, como a que existe em Mortágua ou em centrais de compostagem, seriam medidas, “à priori”, que levariam à diminuição real do potencial para a ocorrência de incêndios. Para ocorrer um incêndio é necessária a presença de um trinómio – combustível (no caso, biomassa florestal), comburente (oxigénio) e calor. O único que se pode controlar, de forma a evitar um incêndio é o combustível e isso é o que, com enorme sucesso se vem fazendo, há já alguns anos, na região de Mortágua. De ano para ano é a zona do país com menos área ardida, fruto de um esforço integrado de autarquia, sapadores florestais, proprietários e população. Lamentavelmente este exemplo não está a ser seguido noutras zonas do país. Ressalvo, no entanto, e na devida escala, o trabalho meritório que a Junta de Fernão Joanes e os seus sapadores florestais, têm vindo a fazer na sua área de influência, com a limpeza de caminhos, mato e floresta. Os meus parabéns porque é uma aposta ganha.

Dir-me-ão que a mão-de-obra necessária para limpar milhares de quilómetros quadrados de floresta e gerir todo este processo é muita, que isso tem custos, que não é fácil. Eu proponho uma solução, mas temos que nos deixar de pruridos e receios. Façamos as contas aos largos milhões de euros anuais que damos de mão beijada a milhares de famílias, em cujo seio haverá muita gente com bom corpo para trabalhar, sob a égide do Rendimento Social de Inserção, cujo lema se traduz em “Rendimento máximo, para trabalho zero”. Peguemos nestes indivíduos e com algum investimento inicial nalguma maquinaria ou reconversão da já existente, dotemos as juntas de freguesia dos meios necessários. Façamos áreas de intervenção, por freguesia, e atribuamos-lhes indivíduos que estejam a beneficiar do RSI, que não serão poucos, para trabalhos de limpeza e manutenção da floresta, abertura de aceiros, reabilitação de caminhos agrícolas, etc., sob pena de que, negada a “colaboração” lhes seja negada a subvenção mensal. Atenção que não estou a falar de mão-de-obra escrava, mas de mão-de-obra proporcional, em horas e custo, ao de outro trabalhador equivalente não remunerado pelo RSI. Não faltariam protestos de ciganos e outros RSI-dependentes sob a forma de acampamentos à porta das Câmaras Municipais, mas se este, e outros governos, conseguem lidar com protestos de milhares de agentes produtivos da sociedade, não terão dificuldade em lidar, a não ser por cobardia política, com estes. O potencial desta ideia é grande, o retorno financeiro a médio prazo enorme, a diminuição de custos no combate compensaria largamente o investimento em maquinaria para a manutenção florestal. Criar-se-iam centenas de postos de trabalho e far-se-ia útil uma franja da sociedade que acha que só tem direito a receber sem dar nada em troca. Não fossem os nossos representantes, que governam para o voto, que têm falta de coragem política e que não encaram a floresta como um património transgeracional e outro galo cantaria.

Têm sido tomadas algumas medidas positivas para protecção da floresta, nomeadamente a criação das brigadas de intervenção rápida e a modernização de meios de combate aos incêndios, mas o enfoque deveria estar, sempre, nas medidas de prevenção e não nas medidas de mitigação, sob pena de termos as florestas a prazo.

Por: José Carlos Lopes

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