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«Uma biblioteca não serve apenas para investigadores»

Ana Maria Pessanha, directora da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço

P – A Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço será inaugurada no dia da cidade, a 27 de Novembro. Até lá, o que falta providenciar?

R – Falta mudarmo-nos, de forma efectiva, para o novo edifício e termos a casa limpa. Também ainda não mudámos a parte informática, mas os livros já estão a ser acomodados nas prateleiras. Porém, muitos deles ainda estão de quarentena nas bolhas de desinfestação.

P – Assim sendo, o edifício não será inaugurado com a totalidade do espólio nas prateleiras?

R – Uma biblioteca nunca está feita. Há uma quantidade muito razoável de livros que estarão disponíveis ao público para que possam ser requisitados. Outros requerem tratamento e, nestes casos, ainda vai demorar até que estejam disponíveis. Depois da inauguração haverá muito para fazer, porque a biblioteca tem que ser sempre actualizada. Existe também um espólio documental bastante razoável que tem de ser tratado.

P – No último ano, foi feito um trabalho muito específico de tratamento e catalogação dos livros. O que foi feito, concretamente, neste período de transição?

R – Todos os livros tiveram que ser registados, catalogados, indexados e classificados. Além de terem sido limpos (aspirados), foram-lhes retiradas as etiquetas da Gulbenkian que muitos ainda tinham. Essas etiquetas – cada livro tinha cerca de três – foram uma coisa mal pensada na época, porque, quando removidas, estragam os livros. Depois, iniciou-se um período de desinfestação, que está em curso desde Junho nas novas instalações. Trata-se de introduzir os livros num sistema de bolhas de desinfestação hermeticamente fechadas. É-lhes retirado o ar e depois introduzido azoto. Os livros permanecem ali mais de 40 dias para que os fungos e ácaros desapareçam.

P – Que livros haverá na Biblioteca Eduardo Lourenço?

R – Comprámos perto de oito mil livros novos, além dos doados por Eduardo Lourenço, cerca de três mil. Recebemos também outra doação de seis mil obras em Setembro, da Fundação Godinho de Almeida. Feitas as contas, com o que havia, a Biblioteca da Guarda tem mais de 100 mil livros. Ainda não temos o número exacto, porque não estão todos registados. Isto porque, na antiga Biblioteca, não foi feito o tratamento e o registo das obras. Trata-se de um trabalho que temos vindo a efectuar de raiz. A Biblioteca da Guarda tem um espólio muito grande, mesmo comparativamente com outras estruturas da região. No entanto, é preciso ter em conta que se trata de uma biblioteca muito antiga, que remonta a 1880.

P – Que tratamento vão ter os livros doados por Eduardo Lourenço?

R – Vão ficar separados do restante espólio. Contudo, o tipo de organização dessa “mini-biblioteca” será o mesmo: os livros estão organizados de acordo com a Classificação Decimal Universal, por áreas temáticas. Cada tema terá uma cor diferente que os utentes poderão identificar facilmente. Enquanto tratei os livros, preocupei-me em seguir minuciosamente as normas nacionais e internacionais. Este tipo de organização não existia nas antigas instalações e isso implicou como que começar uma Biblioteca de raiz.

P – Vai haver um sistema informático que permitirá visualizar todos os livros tratados…

R – Sim. Através dele vai ser possível pesquisar um livro por título, autor, data, ISBN, editor ou assunto. Todos os volumes foram desfolhados, descritos e a todos foi atribuído um assunto. Todo este trabalho envolveu 22 pessoas durante um ano.

P – De que áreas são os livros adquiridos? Era uma necessidade da Biblioteca?

R – Procurei comprar mais livros na área de maior carência: a parte infantil. Esta área estava a necessitar de renovação, até porque estão sempre a surgir coisas novas e interessantes. Apostei, igualmente, no multimédia, porque não havia muita coisa. Na literatura para adultos adquirimos de tudo um pouco.

P – De uma maneira geral, qual será o “ponto forte” do acervo da Biblioteca Municipal da Guarda?

R – Os livros de Eduardo Lourenço vão ser uma enorme mais-valia, por se tratar de um espólio original. Depois, as pessoas vão dar conta de que a parte infantil está muito boa. Já o fundo antigo, completado com as novas aquisições, vai tornar a estrutura muito completa. Ainda assim, gostava de apostar mais na parte infantil, porque, além de permitir formar novos leitores, penso que é possível conseguir trazer famílias inteiras à Biblioteca através das crianças. Não sei como vai ser a reacção dos utilizadores ao novo equipamento, mas quero que ninguém tenha vergonha de vir, nem que seja só para ler o jornal. Uma biblioteca não serve apenas para investigadores, nem pouco mais ou menos! Por isso, apostámos na aquisição das revistas e jornais do dia. Queremos que as pessoas venham ler o jornal e tomar um café, não se paga para entrar.

P – Que actividades serão promovidas a curto prazo?

R – Após a inauguração, todas as atenções estarão viradas para as crianças. Antes das férias escolares, queremos trazer cá todos os alunos do ensino básico e pré-escolar do município. Brevemente, será também apresentado um livro de uma escritora infantil da região e oferecido um exemplar a todos os meninos, enquanto assistem a uma hora de contos. No dia seguinte à inauguração haverá um espectáculo só para os mais novos. Temos até um espaço próprio para a realização deste tipo de actividades. Tenho muita esperança de que, através das crianças, possamos chegar aos mais velhos.

P – Para muitos, é inviável conceber uma Biblioteca apenas como um espaço de leitura e consulta de livros ou documentos. De que modo é que as novas tecnologias de informação e comunicação podem complementar a leitura? A Biblioteca da Guarda terá essa preocupação?

R – Nesta Biblioteca não temos só livros. Há Internet wireless gratuita – as pessoas podem trazer o seu computador ou usar os nossos. Temos também um bar e estamos a programar actividades de animação e promoção da leitura. Tudo isto pode constituir um óptimo chamariz. Penso que as bibliotecas têm forçosamente de se adaptar às novas tecnologias, mas nunca deixando de ser, obviamente, um lugar de estudo e de investigação. Entretanto, pela Internet, os utilizadores poderão conhecer a nossa base de dados e até reservar um livro a partir de casa. Depois, há ainda o serviço de auto-empréstimo em que o leitor não precisará de ir ao balcão para requisitar uma obra.

P – Uma das iniciativas que pretende promover é a digitalização de imprensa desde o século XIX e a conservação de documentos. São duas áreas pouco exploradas nas bibliotecas portuguesas…

R – De uma forma geral, as bibliotecas ainda não têm equipamentos de digitalização, mas também não somos pioneiros nesta área. Por ora, estamos a proceder à digitalização de jornais. No que toca à conservação de documentos, temos jornais muito antigos mas também muito estragados, que precisam de ser trabalhados. E os que estão em bom estado vão ser digitalizados, sendo que a sua consulta passará a ser feita em formato digital.

P – Outra das principais atracções da Biblioteca Municipal será a ligação permanente ao espólio das Bibliotecas das Universidades de Coimbra e Salamanca. Serão 600 mil livros disponíveis a partir da Guarda. Quando é que este serviço estará disponível?

R – Ainda não para já, mas vai ser uma realidade. Por enquanto, o mais importante é ter a parte informática operacional e o fundo bibliográfico informatizado. Só depois podemos partir para outros projectos, esse é um deles e vai permitir aos utilizadores ter acesso ao fundo documental de outras bibliotecas – nacionais e internacionais. Temos a sorte de ter uma ligação privilegiada com Salamanca. A ideia será ter acesso a bibliotecas virtuais, para evitar andar com os livros de um lado para o outro, como acontece no empréstimo entre bibliotecas.

P – De que forma poderá a Biblioteca contribuir para atrair novos leitores?

R – Penso que o factor “novidade” vai jogar a nosso favor. Se as pessoas tiverem curiosidade e gostarem de procurar zonas novas, vão passar por cá. Depois desse primeiro contacto, estou segura de que gostarão muito do que vão encontrar e sentir-se bem, o que será meio caminho andado para formar novos leitores.

P – Como foi organizado o espaço?

R – Há uma área de atendimento e um auditório multiusos. O auditório e as duas salas principais de leitura vão ter nomes de livros de Eduardo Lourenço. O anfiteatro chamar-se-á “Tempo e Poesia”, a sala de leitura infanto-juvenil “Nós como futuro” e a sala do segundo piso, para adultos, “A Nau de Ícaro”. Há ainda uma sala do conto, um bar e uma zona de tratamento técnico. Existem depois uma série de “halls” em que as pessoas podem deambular e ler o jornal ou sentar-se. No rés-do-chão ficará a Livraria Municipal, junto aos depósitos. O auditório vai estar aberto à comunidade. Queremos receber exposições e eventos culturais de fora, relacionados não só com livros, porque esta não é uma casa só de livros, mas sim de cultura.

P – O horário de funcionamento será mais flexível do que na generalidade das bibliotecas?

R – O horário ainda não está definido, mas será parecido com o que é praticado noutras bibliotecas. Algumas estão fechadas uma ou duas manhãs por semana e abrem aos sábados à tarde, para chamar as famílias. Vamos tentar que assim seja. Durante a semana, talvez possa estar aberta até às 18 ou 19 horas, em horário contínuo. Contudo, o horário terá ainda de ser jogado com a disponibilidade dos funcionários.

P – Como é que os utentes podem obter o cartão que lhes permitirá aceder à Biblioteca? Quanto é que irá custar?

R – Nada! Os serviços da Biblioteca são gratuitos. Para se tornarem leitores, só precisam de vir e fazer um cartão.

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