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Um vendedor de água com sabores

Bilhete Postal

Uma noite num bar as pessoas deliciam-se de palavras, da tentativa de explanar as sensações e o deleite de se estar em grupo, de transmitir sabores, conceitos aprendidos, vivências ou histórias lidas. Conto a quem me quer ouvir a história do “capitão da água” que espalhava mezinhas nos afluentes das terras onde queria ir. Aproximava-se da lagoa de onde sairia a água da Guarda e debitava nela substâncias que mudavam as mentes, que alteravam comportamentos. Com aqueles sais e aqueles pós conseguia festas, brotava borbulhas, acordava hormonas e, desse modo, quando chegava com seu carro

carregado de untos e bendições, vendia para borbulhas, gastava os líquidos de unguentos, saciava suas paixões, criava festas, desassossegos, ou os silêncios que lhe permitiam repousar. O “capitão da água” conhecia as pessoas por dentro, conhecia os seus códigos genéticos e seus gatilhos e receptores. Depositava nas águas os destinos que queria encontrar, como os governos acabaram com as cáries da infância colocando flúor, terminaram com o bócio colocando iodo e convertendo as águas em instrumentos de saúde pública. A verdade é que o “capitão” era uma mulher, a Cláudia Quelhas, e ela odiava os safados, os mentirosos, os políticos de duas caras, o trabalho por dinheiro, os bairros feios de arquitectos sem requinte. A água da Guarda encheu-se de pitadas de bom gosto, de sal de exigência, de unguentos para a forma física e tudo o mais que nos torna a vida mais justa, mais simpática, mais estética. E nesse dia o “capitão da água” vendeu martelos e carros de entulho e deitou todos os prédios feios abaixo e criou passeios e jardins. Um poder imenso, numas mãos, num só dia.

Por: Diogo Cabrita

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