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Um tiro no pé

Anotações

“Tenham respeito por Portugal e pelas Forças Armadas”. Este o apelo do general Pina Monteiro na sequência do episódio que, na manhã do passado dia 10 de junho, originou a interrupção do discurso do Presidente da República, na cidade da Guarda.

Pina Monteiro – visivelmente desagradado, como militar, como Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e por certo como guardense que é – foi certeiro e elucidativo na observação.

O protesto, protagonizado por alguns, – têm, como comentámos no próprio dia, as suas razões; todos nós temos fortes e legítimos motivos de descontentamento e direito a manifestarmos as nossas ideias e a nossa contestação – redundou num autêntico tiro no pé, face ao momento escolhido e no contexto da cerimónia que estava a decorrer.

Para quem, regularmente, invoca o papel das forças armadas no abrir e no abril das portas da liberdade e da democracia, não ficou nada bem este registo, que poderia ficar expresso noutra ocasião do evento ou em cenário diferente. Aliás, a hipótese de uma qualquer expressão de descontentamento, no decorrer do programa das solenidades, de certeza que não deixou de ser equacionada pelos elementos responsáveis pela segurança; contudo a percentagem de probabilidade de concretização, coincidente com a intervenção do PR, teria, numa análise racional, um valor muito baixo.

A maioria das pessoas que se deslocou ao Parque Urbano do Rio Diz (na Guarda e não nos arredores da Guarda como ouvimos num canal de televisão) foi por outros motivos que não a gritaria ou protesto – toda a gente tem, repetimos, inúmeras razões de queixa pelas políticas governamentais, pelas atitudes da classe política, pelo desprezo a que é sistematicamente votada, muito especial aqui no interior de Portugal.

António José Teixeira escrevia, recentemente, que «por mais que levem a corte à Guarda, à minha Guarda, e às guardas deste Portugal, não se apaga o desamparo. Não se vislumbra qualquer compromisso com o país. Pelo contrário. As palavras de todos os dias são de desprezo pelos portugueses e pelas suas instituições. Não faltam exemplos dos de cima aos de baixo».

A simpatia dos presentes não era, obviamente, unânime relativamente aos responsáveis institucionais e políticos; mas discordar ou ter motivos de queixa não é sinónimo de falta de respeito e de sentido de responsabilidade cívica.

Este era um momento festivo de Portugal, das forças armadas, das comunidades portuguesas, da comunidade guardense que sempre tem privilegiado a hospitalidade.

A Guarda (não vamos discorrer aqui acerca de opções, de gastos, de escolhas, do programa) soube receber, como o tinha feito em 1977, ano em que, também nesta cidade, foi celebrado – pela primeira vez – o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas…

Este foi um protesto inapropriado, para a hora e local. Não faltavam oportunidades e espaços para essas pessoas manifestarem a sua indignação.

Protestem, em liberdade, mas tenham respeito pela Guarda, pelas suas gentes, pelos valores que ela encerra, pela sua tradição hospitaleira.

Por: Hélder Sequeira

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