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Um pontapé no marasmo

Editorial

1. Arouca podia ser conhecida pelo Mosteiro pré-românico (séc. X) com uma exponencial e única talha barroca e Museu de Arte Sacra; pela paisagem e pelo Geoparque, pioneiro no turismo educativo, e que faz parte da rede Europeia e Global da Unesco; pela admirável frecha de Mizarela; pela Rede Natura 2000 e os habitats da Serra da Freita, de Montemuro, Arada e Gralheira; pela carne de vitela “arouquesa”, a raça bovina autóctone; pelo Festival de Cinema; ou pelo rafting no Rio Paiva, o melhor rio para desportos radicais; ou até pela tradicional doçaria conventual; ou, porque não, pela “Tasquinha da Quinta” onde se come deliciosamente, mas Arouca vai entrar-nos todos os dias pela casa dentro por causa do futebol. O Arouca acaba de ser promovido à Primeira Liga. Na televisão, nos jornais, nos cafés… vamos todos falar de Arouca. Precisamente porque o futebol é uma montra, a Primeira Liga é um espaço de exposição pública extraordinário, uma das maiores janelas promocionais de terras e locais, de marcas e produtos, de nomes que se tornam universais, de emblemas que muitas vezes são maiores que a própria cidade.

A vila do distrito de Aveiro com 3.200 habitantes, num concelho rural com pouco mais de vinte mil habitantes, afirma-se e ganha uma notoriedade inaudita. As muitas riquezas naturais, patrimoniais e culturais do concelho ganham uma nova dimensão que o turismo saberá aproveitar. Em Arouca, a Câmara Municipal tem sido um parceiro essencial de todas as forças vivas da terra para dar dinâmica e progresso a um concelho encravado na serra, entre o litoral e o interior. O futebol é a sua mais recente arma, depois de muitas outras devidamente trabalhadas. Sorte ao Arouca.

2. A Guarda, cidade e concelho, não têm um único clube desporivo de destaque em alguma modalidade. Já houve o enorme Clube de Xadrez da Guarda, houve alguns momentos notáveis em várias modalidades, há o Clube Escape Livre, mas no desporto de massas que é o futebol, nunca houve grande evidência – nem grande, nem pequena, nunca se passou da mediocridade, salvo o razoável desempenho juvenil do NDS. O clube mais representativo da cidade nos últimos anos foi o Mileu, jogando, e mal, nos distritais. É embaraçoso para uma cidade capital de distrito e com pergaminhos no deporto e ambições na promoção que não haja uma organização desportiva digna desse nome. Que não haja um clube com dimensão em que se revejam as pessoas da Guarda e do distrito. Que não haja uma marca desportiva que contribua para a promoção da cidade. Houve um tempo em que a Câmara da Guarda, erradamente, até investiu no estádio e gastou dinheiro na promoção de um enganador slogan de “Guarda cidade do Desporto”… mas na verdade nunca teve uma política para o desporto, como nunca teve política para coisa nenhuma (“dizem” que tinha para a Cultura mas já nem isso resta). Na Guarda, ouvimos falar de turismo como panaceia para todas as maleitas sem no entanto termos nada que marque a diferença para atrair quem seja ou sequer um plano de comunicação e promoção da Guarda como produto e destino. Como o exemplo de Arouca nos diz, é possível fazer muito mesmo com pouco, é preciso é que as pessoas tenham ideias e projetos, que reflitam sobre as opções e promovam o desenvolvimento de uma comunidade de acordo com o interesse do coletivo e não dos pequenos interesses instalados. A época de eleições pode ser interessante para promovermos esse debate. Ou não.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
BARREIROS Antoine barreiros.a@orange.fr
Comentário:
Que me recorde, a Guarda já esteve na segunda divisão. Ah, é verdade, foi nos princípios de 50.
 

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