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Um país de velhos

Editorial

1. Numa entrevista “obrigatória” ao jornal “Público”, do passado domingo, o constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho explicou de forma exemplar, simples e compreensível as funções do Estado, da sua reforma e seus limites. Ao contrário de muitos outros que vão debitando comentários nos mais diversos palcos, ainda que nem sempre devidamente conhecedores da matéria,o Professor de Coimbra (originário de Pinhel) sabe da poda, e sabe explicá-la, contribuindo para que qualquer leigo possa interpretar e compreender as funções do Estado, a essência constitucional e a relação de força entre norma fundamental, Orçamento de Estado e o interesse do país.

Depois de explicar que o «dinheiro é o nervo das coisas», pois as finanças «são a realidade de uma Constituição» e sem o qual nada se pode executar, Gomes Canotilho explicitou que «a salvação pública é a lei suprema», mas que, não estando nós num estado de exceção, «nem em estado de sitio, nem em estado de emergência, não podem ser suprimidos direitos, liberdades e garantias». O Professor defendeu mudanças e considera razoável que se discuta como financiar o Estado social ou que se promova a reforma do Estado num contexto de racionalização e princípios da economicidade e «da eficácia», mas «o princípio da universalidade é sagrado» e ninguém pode deixar de ter acesso à Saúde, à Segurança Social e à Educação. E este é o âmago central do debate atual: como podemos manter a universalidade? E a resposta deve ser óbvia, mesmo considerando todas as vicissitudes económicas e financeiras do país: o princípio da universalidade deve ser indiscutível, tendencialmente gratuito, com o co-pagamento em todas as situações que seja possível. O Estado deve ser reformado e pode ser reformado com base na melhor racionalização dos recursos e dos meios, mas isso não significa necessariamente menos Estado, deve significar melhor Estado, menos gastador e melhor redistribuidor. Aquilo que o Governo defende é, pois, inaceitável: um Estado mínimo, como se isso significasse melhor Estado. Não significa.

2. Precisamente por que não podem ser suprimidos direitos, liberdades e garantias é que é inaceitável que o Tribunal de Sintra tenha decidido retirar seis filhos a uma mãe. O Estado deve intervir em situações de fragilidade evidente, como era o caso, pois a senhora tem dez filhos e dificuldades financeiras, mas deve intervir ajudando. Não pode impedir uma cidadã de ter mais filhos, precisamente, porque o direito, a liberdade e garantias devem ser defendidos pelo Estado. O Tribunal de Sintra decidiu de forma contrária à natureza e aos pressupostos que deve defender. O Estado pode educar e planificar para evitar situações como a desta mãe. E mais, num país que tem, tristemente, a segunda taxa de reposição mais baixa do mundo, ou seja, em média, cada mulher portuguesa tem apenas 1,3 filhos, muito abaixo do necessário para renovar a população (devia ter mais de 2,1). As baixas taxas de natalidade implicam menos pessoas para trabalhar, numa tendência que põe em causa o crescimento económico e a viabilidade da segurança social – quem vai cuidar dos idosos? Quem irá pagar os benefícios dos mais velhos? Em Portugal, em vez de se definirem políticas de incentivo e apoio à natalidade, cortam-se os apoios, retiram-se os abonos, entrega-se a educação pré-escolar a privados (ou a IPSS que recebem milhões do Estado e cobram às famílias por falta de opções). Portugal será cada vez mais um país de velhos.

3. O PSD continua sem candidato à Câmara da Guarda. E vai escolher após a realização de uma nova sondagem com os nomes de Álvaro Amaro e Manuel Rodrigues. Um candidato devia emergir pelo seu carisma, a sua capacidade, o seu projeto e a sua afirmação na sociedade, não por sondagens. Mas perante a dificuldade de definição compreende-se o recurso ao estudo de opinião. Mas o mais relevante é que Manuel Rodrigues reapareça na contenda. Depois de um adeus extemporâneo, fez bem em mostrar renovada disponibilidade. Ganhou popularidade ao longo do processo, mas os adversários não irão esquecer que o volte face é, também, uma cambalhota em relação ao que disse nas duas últimas semanas. A realização de uma nova sondagem para observar índices de popularidade pode ser um instrumento de trabalho interessante, e foi um feliz golpe de mão da direção nacional do partido, mas deixa a ideia que, afinal, Amaro não terá aceite o convite e esta foi a forma mais insuspeita de poder relançar o nome de Manuel Rodrigues.

Luis Baptista-Martins

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