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Um país condenado a arder

Editorial

Havia quem pensasse que a luta contra os incêndios estava a ser ganha pelo grande investimento feito em meios, pela formação ou pela melhor organização de estruturas pagas a peso de ouro. Puro engano.

Se os anos mais recentes foram de “tranquilidade” foi porque as temperaturas médias foram moderadas e a humidade relativa elevada. Bastou haver uns dias seguidos de temperatura alta e pouca humidade para ficar em evidência a incapacidade e a incompetência na luta contra os fogos. Bastou uma semana de calor abrasador para percebermos que pouco foi feito no ordenamento do campo, na reflorestação, na vigilância, no desenvolvimento da fileira florestal. O país é pobre e deixa arder todos os anos uma das suas maiores riquezas. Até quando? Quando é que o milhão de euros que custa apagar um incêndio de pequenas proporções será canalizado para investir no campo, no apoio aos agricultores e produtores florestais? Ganhava a economia, criava-se emprego, desenvolvia-se o interior e evitava-se a tragédia ambiental e humana. Até la, continuaremos a ver irresponsabilidade dos comandos da proteção civil sem que haja responsabilização e consequências do foro administrativo e criminal. Até lá, continuaremos a ver como na Madeira, quando chove, morrem pessoas debaixo da lama e quando aquece vêem-se casas a arder, e em vez de se pedirem responsabilidades pela falta de ordenamento e regulamentação, por não haver nem bombeiros, nem helicópteros, apesar do regabofe, temos um Jardim incrivelmente incompetente a sacudir a água do capote para cima de uns supostos pirómanos terroristas que o perseguem.

Neste país estamos lixados, não por causa de se governar a pensar em eleições, mas porque os dirigentes e comandantes não são responsabilizados, nem demitidos, por gerirem incêndios por videoconferência, enquanto impedem os bombeiros de atacar o fogo, mesmo que arda um terço de um concelho, enquanto se exibe a pobreza e miséria das pessoas abandonadas à sua sorte. Ou porque João Jardim continuará a ter votos e o apoio irresponsável do seu partido, mesmo depois de ter levado a região autónoma à falência, sem que, mesmo assim, tenha criado condições de vida e de segurança básicas para os madeirenses. O país europeu que pensávamos que Portugal já era, ainda convive com a pobreza e a miséria todos os dias, ainda tem histórias de vida e sofrimento por detrás das árvores, para além das pedras, distante da vista de quem vive na grande cidade ou atrás dos muros de betão que se ergueram, precisamente na cidade. Ninguém vê o dia-a-dia dessas pessoas, até que o fogo apressado leva tudo o que reuniram numa vida. Quando se fala de política e se discutem os problemas do mundo, era dos problemas das pessoas, das suas dificuldades e anseios que devíamos falar. E quando falamos de desenvolvimento e de investimento público, era destas pessoas, destes montes e campos, que devíamos estar a falar. Enquanto Portugal não for desenvolvido como um todo, o país continuará a empobrecer velozmente, com mais ou menos incêndios. Enquanto o milhão de euros de custo no combate ao fogo não se transformar no milhão de euros de incentivo aos jovens, aos agricultores e silvicultores, que regressam à aldeia para plantar e semear, Portugal será cada vez mais um país abandonado que arde a cada verão.

Luis Baptista-Martins

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