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Um país apalavrado

observatório de ornitorrincos

Portugal, foi aqui escrito na passada semana, é o país dos diminutivos. Do poucochinho e do bocadito. Mas não só. É também um país diminuto. Há registos de grandes cetáceos com um comprimento aproximado ao da costa portuguesa. Além dessas miudezas, nós portugueses gostamos de gracejar com jogos semânticos, criando chalaças simples com subtis semelhanças fonéticas e trocas de significação. O próprio nome de Portugal serve perfeitamente para as manchetes de jornais desportivos escreverem com alguma regularidade “Portugolo” (em caso de vitória) ou “Portugalo” (no caso de derrota).

Em Portugal, os diminutivos usam-se para as coisas mais importantes, como mãezinha, amorzinho e gatita. E depois há palavras como carinho e bonito, que têm sufixos impossíveis de retirar. (Gostaria de recordar também que um periquito não é um perico pequeno.) Os portugueses falam das suas misérias e das suas glórias recorrendo sempre ao apoucamento linguístico da realidade. Só aqui é possível tomar-se um cafezinho, ver-se um filminho, dar-se (ou receber-se) uma aulita, estar-se com os amiguinhos e sair-se com a namoradita e no fim do dia dizer-se: “É a vidinha!”. E mesmo quando se pretende insultar alguém, é permitido optar entre uma versão ligeira (“Mariquinhas”), uma versão intermédia (“Vai à merdinha”) e uma versão mais dura (“És uma putinha”). Os diminutivos são o alargamento vocabular mais conhecido do idioma e fornecem as rimas mais populares dentro do segmento pimba do cançonetismo nacional, onde “abracinho” rima com “beijinho” e “moranguito” com “olarézito”.

O trocadilho é o passatempo nacional. Daí resulta que este país diminuto seja também um país do minuto, que como todos sabem é uma coisa que passa na hora. O trocadilho é um joguinho, um pequeno hobby, uma minúscula distracção que aconchega e diverte. Por isso não é um trocado, mas um trocadilho. Como nos jogos a sério, há campeões e amadores. Quem faça do trocadilho arte, quem dele faça sapatos. Rui Reininho é o Camões dos jogos de palavras. Entre os seus “ósculos escuros”, o “pescado morre ao lado”. “Ao lado dos cisnes”, está bem de ver.

Um português aprecia sempre confusões fonéticas, principalmente se envolver alguma palavra que se refira às partes pudendas, como ténis, angina ou setas. (Só um génio português como Herman José se lembraria de fazer confundir “alérgica” com uma homossexual feminina.) Pudenda é em si mesmo um vocábulo que serve também para a clássica tirada “Em podendo…”.

Só em Portugal, se um dos membros do casal – e lá está o substantivo suficientemente equívoco “membro” – se fartar do outro ou tiver encontrado membro melhor (eu também sou português e é geneticamente impossível resistir) e desabafar “Vou a Marte para sempre”, pode, em caso de arrependimento, emendar o disparate na hora e repetir: “Vou amar-te para sempre.”

A descoberta da verdadeira portugalidade aconteceu entre jogos de palavras, num dia em que a sueca a que se costumava jogar se foi embora mais cedo para Estocolmo e alguns portugueses se viram sozinhos. Podia-lhes ter dado para a homossexualidade, mas preferiram os trocadilhos. Por estas e por outras é que Portugal nunca vai ganhar nem sequer um Oscarzinho.

EU VI UM ORNITORRINCO

Bill Gates

Ornitorrinco estrangeiro, veio ao nosso charco receber uma medalha e oferecer saber e tecnologia. Estranhamente, por uma vez o país ficou a ganhar.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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