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Um país à beira mar indignado

Para não variar, as últimas semanas em Portugal foram pontuadas por diversos focos de indignação. As polémicas à portuguesa são como ver um episódio da “Guerra dos Tronos” com um dia de atraso, jornais e conversas com amigos pelo meio, antes de o começarmos a ver já conhecemos o final. E por cá não só o fim, mas também o início e o meio, de cada polémica é a indignação. Mas nada mais do que isso.

Primeiro, o país uniu-se indignado com o incêndio de Pedrógão Grande. Alusões a suicídios que não aconteceram e acusações de incompetência técnica e política não apagaram o semblante carregado de uma classe política pronta, agora mais do que nunca, a tudo fazer para que tal não se repita.

Quase dois meses decorridos, a reforma florestal não granjeou sequer unanimidade à esquerda e a direita continua aprisionada à defesa do eucalipto. Pouco mais se sabe. Ao invés, parece saber-se ainda menos do que no rescaldo da tragédia. Já nem o número de mortos é um dado concreto. Afinal de contas estamos no país que não gosta de fazer contas. Mas gosta de fazer de conta. E faz-se de conta que se acredita em António Costa quando imputa à Altice a responsabilidade, via PT, pelo facto de o SIRESP ter funcionado dentro da normalidade. Ou seja, funciona perfeitamente em situações ordinárias e falha em casos extraordinários. Caso para dizer, ordinário sistema.

Mas como Verão é sinónimo de “silly season”, nada melhor do que o ilustrativo assalto de Tancos. Naturalmente, o evento foi sucedido de indignação da opinião pública e publicada. Perante a evidência da gravidade do roubo, da inoperância das forças armadas e do desleixo do Estado, rolaram cabeças suspensas antes ainda de se apurarem responsabilidades. Escassas semanas decorridas, ficou a saber-se – querem fazer crer – que irresponsabilidade só a dos ladrões, que mais não fizeram do que a burrice de roubar material obsoleto. Não erguidas, as cabeças roladas regressaram aos seus lugares e “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

Claro está que o bronzeado da filha de uma socialite não podia passar incólume ao estreito crivo das sempre alerta redes sociais. No curso das indignações, a esquerda dos bons costumes uniu-se contra declarações desadequadas de um quase nonagenário, ignorando não apenas o direito à opinião mas também os circunstancialismos que Ortega y Gasset explicou.

Também o populista candidato à Câmara de Loures foi alvo da verve da brigada da indignação. Depois de fazer declarações sobre a comunidade cigana com que muita gente concorda e que, em parte, refletem a realidade dos factos, este professor foi “fuzilado” pelo pelotão do politicamente correto. Sem o perceber, estes indignados de pavio curto tão só contribuíram para que passássemos a saber, desnecessariamente, o nome do tal Ventura e impedir que se discuta uma questão factualmente relevante.

De polémica em polémica o país insurge-se, a classe política compunge-se e as redes sociais salivam. Finda ou acalmada a fúria, uma nova indignação surge à espreita. Pelo caminho, tudo se perde e nada se transforma.

Por: David Santiago

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