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Um Natal Longe Demais

Circulavam rumores, há uns meses, de que a NASA tinha algo de grande a anunciar. Poderia ser a sonda em Marte a descobrir provas de vida extraterrestre, nem que fossem uns incipientes micro-organismos, ou algo mais. Mais tarde, há poucas semanas, uma revista norte-americana noticiava que tinha sido captada uma mensagem vinda do espaço, mais propriamente de Andrómeda, uma galáxia distante. Essa mensagem, em linguagem numérica, teria sido descodificada e significaria um pedido de ajuda de uma civilização à beira da extinção por uma sequência de catástrofes, aprisionada no seu próprio planeta. Sem a possibilidade de fugirem para outro lado, ao não dominarem a tecnologia das viagens espaciais, nada mais lhes restava do que um SOS mandado para o universo. O problema é que essa mensagem, atendendo à distância de onde foi enviada, tê-lo-ia sido há mais de oitenta mil anos, ainda os tigres dente-de-sabre se passeavam pelo nosso próprio planeta. Ou mais propriamente há milhões de anos, atendendo à distância a que fica de nós Andrómeda. Ou seria mais um boato?

Recordo aqui um conto de Artur C. Clarke sobre uma viagem interplanetária de uma nave com origem na terra que descobre um planeta a orbitar uma estrela morta. Nesse planeta encontra sinais de uma civilização desaparecida, aí aprisionada, também sem possibilidades de fuga na iminência da catástrofe que a morte da estrela iria originar. Seria essa uma civilização maravilhosa, dada às artes, um mundo de cidadãos felizes. Clarke conclui de modo perturbante, quando os cientistas da expedição terrestre calculam a data da explosão final da estrela e a colocam no ano zero da nossa era, identificando-a como aquela que teria guiado os reis magos a Belém, numa abominável manifestação do cinismo de Deus.

Não esqueçamos o Natal antecipado da Venezuela, um país cada vez mais disfuncional, onde se tenta parar a inflação proibindo o aumento dos preços, um país cada vez mais dependente do pensamento mágico e das manifestações miraculosas do padroeiro Hugo Chavez. É claro que quando se põe o destino de um país nas mãos de um morto as coisas não podem correr bem, e que a antecipação de um Natal tem como principal efeito tornar mais distante o seguinte, mas haverá sempre quem acredite nas premonições dos magos.

Nem tudo é mau: este ano há luzes natalícias na cidade. No próximo fim-de-semana, o primeiro de Dezembro, tenho combinada com a minha filha a cerimónia anual da árvore de Natal. O ateísmo do pai, os plásticos dos acessórios, processados a partir de petróleo, talvez oriundo da Venezuela, e fabricados na China por meninos que não vão ter prendas, serão apenas pormenores que as luzes coloridas e quentes da árvore vão tornar insignificantes e em que não quero, por enquanto, que ela pense.

Por: António Ferreira

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