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Um Interior sem “Interior”

O Presidente da República visitou a Beira Interior. Em passo de corrida, esta segunda-feira viu-se o Presidente em Castelo Branco, na Covilhã e na Guarda. Depois do Alentejo e Trás-os-Montes fez-se assim mais um “Portugal Próximo”, num programa em que alternou a atenção presidencial à cultura com o incentivo presidencial às empresas da região. A força anímica de Marcelo Rebelo de Sousa é um estímulo apreciável.

Terça-feira discutiu-se o interior na UBI, com a presença de João Ferrão (ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, nos anos 2005-2009), Luís de Sousa (presidente da associação cívica transparência e integridade), Renato Carmo (coordenador do Observatório das Desigualdades) e Graça Rojão (presidente da Coolabora — cooperativa de intervenção social). Uma reflexão que beneficiou da ausência de grandes poderes políticos em torno.

Quarta-feira, na Faculdade de Ciências da Saúde da UBI, o ministro-adjunto Eduardo Cabrita, acompanhado pelo ministro do ambiente João Pedro Matos Fernandes, apresentou o Programa Nacional para a Coesão Territorial, onde releva evidentemente a maior dificuldade à coesão territorial: a exclusão do Interior. O Programa apresentado é composto por um conjunto importante de 164 medidas, cuja implementação será monitorada pelo Governo com uma periodicidade semestral.

Em suma, com diferentes capacidades de impacto, com diferentes meios, a verdade é que se sente uma sintonia de vontades cívicas e políticas em torno do problema que o Interior representa. E em que se começa a evitar cair em dois equívocos recorrentes no passado. Em primeiro lugar, o interior é um problema que não diz mais respeito a quem está no interior do que a quem está no litoral. É um problema de natureza nacional, de coesão. Em segundo lugar, o interior tem muito menos que ver com inevitabilidades relacionadas com a disposição territorial do que com uma organização social, muita vezes culturalmente cultivada, que estabelece uma dualidade dentro do país. Como se procuraram, no passado, naturalizar exclusões com base em critérios de género ou étnicos, também se procuraram naturalizar exclusões com base em critérios territoriais. Mas que são, como naqueles casos, igualmente falsificadoras. Que interior é esse que não raro dista uma hora e meia do mar? Nenhuma montanha separa o interior do litoral a não ser uma disposição social construída e conservada geração sobre geração.

Neste quadro, o mencionado Programa Nacional para a Coesão Territorial é, sem dúvida, um documento com muito valor. O seu último capítulo apresenta um ambicioso título: “Uma agenda para o Interior”. Lendo-o somos capazes de acreditar que o interior arrisca a estar para o Governo Costa como a paixão da educação esteve para o Governo Guterres. O que faz falta, sobretudo no que tem de ambição.

Verdadeiramente, a única forma de pensar um futuro melhor para o interior, é com realismo, não dando por reversíveis tendências que não serão revertidas. Não fazendo depender uma estratégia de ilusões que acabarão por tornar mais difícil um sucesso. Mas igualmente, não fazendo do capital de queixa uma maneira de assegurar continuidades muito imediatas, mas sem uma perspetiva capacitadora. O interior não precisa de ilusionismo, muito menos movido por lobbies político-partidários. Não precisa, sobretudo, de se carregar a designação de “Interior” como uma cruz, que realmente acaba sempre por beneficiar alguns, mas demasiado poucos para que seja justo. Precisa sim de uma semântica positiva. Uma significação que proponha o interior não como uma fatalidade mas como uma visão capaz de responder aos seus problemas em primeiro lugar, mas igualmente aos problemas nacionais e até aos problemas globais. De certo modo, o interior tem de matar a imagem de “Interior” que lhe é colada.

Por: André Barata

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