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Um funeral, dois nascimentos e um na corda bamba

A solução tem o carimbo de Frankfurt e é a primeira vez que se estreia na Europa. Matou-se um banco e nasceram dois irmãos: um está destinado a ter vida curta mas nasceu em berço de ouro; o outro será sempre um pária, que se vai arrastar por muitos e bons anos. Pelo meio há quem tenha dado a cara pela solidez do banco defunto – e que agora esteja fragilizado.

Domingo à noite, o visivelmente cansado governador do Banco de Portugal anunciou um funeral e dois nascimentos. O funeral foi o do Banco Espírito Santo como o conhecíamos até agora. Os dois nascimentos foram o do Novo Banco, que vai ficar com tudo o que era bife de lombo do antigo BES; e o do banco mau, que mantém o nome de BES, mas onde só estão os ativos tóxicos ou altamente problemáticos. É um banco zombie, de que toda a gente se vai querer afastar e onde ninguém quer que os seus créditos vão lá parar.

A solução gizada e que tem a chancela do Banco Central Europeu e assenta no fundo de resolução, que todos os países da zona euro foram obrigados a criar, para que futuras insolvências de instituições financeiras não venham a ser pagas pelos contribuintes mas sim pelo sistema bancário como um todo. Contudo, o facto desse fundo só ter arrancado no final de 2012 faz com que tenha em caixa pouco menos de 400 milhões de euros. Ora o lindo e novo banco que hoje abriu portas ao público necessita de um capital inicial de 4,9 mil milhões de euros. Os 4,5 mil milhões que faltam virão do fundo de resgate, no valor de 12 mil milhões (dos quais ainda resta um pouco mais de metade), instituído no âmbito do programa de ajustamento de Portugal com a troika e deverão ser taxados a 8,5%, a mesma taxa de juro paga por BPI, BCP e Banif quando recorreram a esta linha de crédito.

QUE NÃO HAJA ILUSÕES. ISTO É UMA NACIONALIZAÇÃO. ESTA MAGNÍFICA SOLUÇÃO PRIVADA SÓ FUNCIONA PORQUE HÁ MILHÕES DE EUROS DO DOMÍNIO PÚBLICO METIDOS NO NOVO BANCO

Se tudo correr bem, só os acionistas do BES antigo, mesmo os pequenos, é que perdem tudo – ou quase tudo, dependendo do que se consiga recuperar dos ativos que foram dados como garantia para os múltiplos financiamentos. Com esta solução, os clientes e depositantes do BES e os contribuintes ficam a salvo de terem de suportar uma nova falência, garantem da Rua do Comércio. Infelizmente, o mundo não é perfeito. E quem ouviu o governador do Banco de Portugal dizer que o velho BES tinha uma almofada financeira para suportar eventuais prejuízos – e depois viu-se que a almofada era pequena; para quem o ouviu dizer que o banco estava sólido – e depois assistiu à homília de domingo à noite em que lhe deu a extrema unção e anunciou a sua morte; para quem já passou por isto tudo, não é sem um arrepio na coluna que ouve dizer que os contribuintes podem estar perfeitamente tranquilos, que desta vez não serão eles a pagar o elefante.

O pequeno problema é que há vários problemas. O primeiro é que o auditor externo, a KPMG, vem agora dizer que três dias antes do governador garantir, a 25 de Julho, que a almofada financeira era suficiente, tinha alertado o Banco de Portugal para imparidades adicionais que causariam um novo buraco de 1,2 mil milhões de euros – aviso que terá sido corroborado pela CMVM. O segundo é que os outros bancos do sistema terão de reforçar a curto prazo o fundo de resolução se a venda do banco bom não chegar para pagar ao Estado os 4,9 mil milhões que este está a meter na instituição – coisa que, obviamente, não lhes agrada nem um bocadinho. E em terceiro há ainda uma grande nebulosa sobre quem vai pagar os 800 milhões que a Venezuela aplicou em papel comercial da Rioforte, não sendo de escamotear que novas e desagradáveis surpresas venham a sair de algum armário esquecido.

Parafraseando Durão Barroso e a sua popular expressão, agora só falta que alguém (ou vários ‘alguéns’) dê «uma pipa de massa» pelo Novo Banco, para que o Estado (ou melhor, os contribuintes) não acabem a pagar parte dos 4,9 mil milhões de dinheiros públicos que lá foram metidos para o pôr a funcionar. Sim, porque não haja ilusões. Isto é uma nacionalização. Esta magnífica solução privada só funciona porque há milhões de euros do domínio público lá metidos. Veremos, no final, se o Novo Banco é mesmo um lindo cisne, se o banco mau é mesmo mau, se o governador resiste à procela e se os contribuintes se safam de pagar mais um grande exemplo da excelência da gestão privada.

Por: Nicolau Santos

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