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Um forcão de paixões e tradições

O forcão é o elemento diferenciador da capeia arraiana – ou raiana. A tradição diz que era o instrumento usado pelos homens das aldeias da orla fronteiriça para escorraçar os touros tresmalhados das herdades espanholas, enfrentando os animais olhos nos olhos. O método usado em campo aberto foi mais tarde adotado na praça por ocasião das capeias, que se tornaram rapidamente no ponto alto das festividades religiosas das diversas povoações raianas e verdadeiro cerimonial iniciático dos jovens. Hoje, o forcão é antes de mais um símbolo comunitário, sob o qual milhares de indivíduos espalhados pelo mundo celebram a especificidade das suas origens.

Nas aldeias, outros homens aplicam-se a não deixar morrer a tradição e vão fazendo, todos os anos, o forcão que há-de proteger os solteiros das investidas do touro. Uma arte que vai passando de geração em geração, ao ponto de persistir em cada localidade nas mãos de uns poucos entendidos. Do seu engenho e experiência depende a sorte de cerca de 30 homens, mas também a honra de toda uma aldeia, ansiosa por celebrar a sua vitória sobre o animal. É, portanto, este instrumento que dá a verdadeira originalidade às touradas da raia do Sabugal.

O forcão é um grande corpo triangular de madeira de carvalho. O nome tem origem no latim furca e pertence à mesma família etimológica de forquila e bifurcação. A sua estrutura é constituída por três grandes troncos de carvalho bem secos, dois colocados lateralmente e outro ao centro, servindo de eixo do aparelho. Na base deste enorme e pesado triângulo coloca-se um sólido caibro de pinho cujas pontas ficam salientes para cada lado do forcão. No topo está o “rabião” ou “rabicho”, uma espécie de leme onde se colocam dois ou três homens altos, servindo de timoneiros (os rabicheiros ou rabejadores) para orientar a estrutura e evitar que os touros passem para trás dela.

À frente, nos dois ângulos, situam-se as galhas. Estas são formadas por um aglomerado de fortes e resistentes galhos de carvalho apertados, mas são, no entanto, os pontos mais sensíveis do forcão. É aí que o touro irá marrar, por vezes com uma tal violência e intensidade que as galhas se partem como palitos. É também aí que se colocam os jovens mordomos da capeia para uma prova de valentia. Ao seu lado pegam mais de 20 homens e rapazes, colocando-se ao longo dos dois lados da estrutura triangular e no “meio”, entre os caibros transversais. A partir daí, forcão e homens são um só graças a uma coreografia específica e uniforme, tão compassada e harmoniosa que ganha contornos de dança. É dessa cadência que depende a resistência da estrutura homem-madeira. É mais um saber, a juntar aos restantes que fazem a singularidade desta arte. Aguentar com firmeza a poderosa investida do touro é o grande objetivo deste jogo de força, perícia e valentia.

Tradicionalmente apenas os rapazes solteiros deveriam pegar ao forcão e só os da própria aldeia, pois a festa, como todos os rituais de iniciação, era a oportunidade de prestarem provas públicas de coragem e virilidade. Esta exclusividade não impede, no entanto, que se reserve algum touro para os casados e bezerras para iniciar os mais novos. Contudo, a primazia do forcão vai direitinha para os mordomos, a quem se destina o primeiro animal da tarde.

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