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Um Exemplo

Uma associação de transportadores ameaça com uma marcha lenta pelas estradas do país caso o governo não satisfaça algumas reivindicações. O que é bom para esta associação não é necessariamente bom para Portugal, mas o simples facto de reclamarem e mostrarem insatisfação pode ser instrutivo. A verdade é que o transporte de mercadorias a longa distância é essencial para o funcionamento geral da sociedade. Sem ele estaríamos reduzidos a consumir o que por aqui se produz e que, sabe-se, não chega para cobrir sequer noventa por cento das nossas necessidades. E a coisa piora ainda se pensarmos nas nossas múltiplas especializações. Precisamos, e muito, de receber e enviar mercadorias, ponto final.

Há também a questão do “como”. Há muito que quem decide na União Europeia decidiu que a prioridade era o comboio: menos poluente, mais eficiente, mais barato. O transporte rodoviário seria apenas para curtas distâncias, do ponto de chegada por comboio ao destino final. E porquê? É mais caro, é poluente, há muitos acidentes em consequência do cansaço provocado nos motoristas pelas longas distâncias percorridas. Por isso, para diminuir o peso do factor humano nos acidentes, reduziu-se o máximo permitido de horas de condução por semana, impôs-se o tacógrafo digital, tornou-se ainda mais dura e difícil a actividade de transportador.

Também aqui chegámos tarde à modernidade e, em lugar de caminho de ferro, apostámos nas auto-estradas. Entretanto, circunstâncias várias foram dificultando a vida das empresas de transporte rodoviário de mercadorias. O gasóleo custa o dobro do que custava há dez anos e com a desvalorização do Euro tornou-se ainda mais caro, o crédito é cada vez mais difícil e os juros estão cada vez mais altos, a actividade económica está em retracção e, com ela, diminui o serviço, a concorrência é muita, o que obriga a um nivelamento das tarifas por baixo, as muitas imposições laborais e administrativas trazem encargos cada vez maiores.

Enquanto não voltar a prosperidade geral, há que reduzir custos. Há muito por onde escolher, que nesta actividade gasta-se muito dinheiro. Mas onde? Não nos salários, que é ilegal e contrário a várias normas constitucionais, não no gasóleo, que há menos petróleo, mais consumo e os impostos são essenciais ao estado, também não no IVA, sobretudo agora que o Estado precisa tanto de receita, não nos seguros, que sem eles o risco é demasiado elevado, o mesmo se diga em relação aos pneus e às revisões periódicas, também não nas portagens, que a velocidade é essencial neste negócio. É que, dizem-me, a cumprir tudo o que diz a lei, a pagar tudo o que manda o contrato colectivo de trabalho, a obedecer aos tempos de condução e de descanso, então uma transportadora tem um prejuízo mensal superior a mil euros – por viatura. Recomecemos: há que cortar por algum lado, mas não pode ser nos salários, nos impostos, no custo dos combustíveis, nos seguros… Recomecemos ainda mais atrás: a actividade dos transportadores é essencial.

Por: António Ferreira

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