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Um empurra o outro…

Habituamo-nos ao regime histérico das notícias e já nem damos conta de como ele nos condiciona. A todos: a quem noticia e a quem consome as notícias. Mas é só passar em revista os últimos meses e percebe-se. Primeiro, foi o colapso na Grécia, depois a catástrofe dos náufragos no Mediterrâneo, a calamidade das torrentes de refugiados entrando Europa adentro; e agora – perdão, que já foi ontem! – o fim do mundo como o conhecemos em Paris. Amanhã será certamente outra desgraça, outro apocalipse. Nos intervalos, restam as incidências do futebol. Ou a enormidade de um Arroja, ou outro qualquer palhaço de serviço que cumpra bem a necessidade de preencher os vazios. Isto é o que o aproveitamento máximo da atenção emocional das pessoas manda que os media façam. Nisto, a miséria humana não está nos acontecimentos graves – que de facto merecem todo o nosso investimento – mas na leviandade com que uns são atropelados pelos seguintes. E como, depois de espremida toda a atenção mediática que a histeria proporciona, são votados ao esquecimento – o que seria compreensível, não fosse o ditame da razão mediática que manda restaurar toda a capacidade de atenção para o próximo choque das nossas convicções mais profundas… já hoje à tarde. Disto tudo, o que conseguimos compreender nem por isso é menos obsceno.

A atualidade não é aferida pelo que passou no alinhamento dos telejornais, mas pela sua gravidade. E é preciso ruminá-la sem falsos histerismos se queremos ser mais do que os fantoches rentáveis do espetáculo. Por exemplo, insistir na análise do problema do terrorismo pós-atentados de Paris, e chamar a atenção para duas pequenas verdades que estragam a história que ouvimos ser contada quase tantas vezes como ouvimos, nestes dias, o “Hello” de Adéle ser cantado. Primeira: afinal a esmagadora maioria dos operacionais dos atos terroristas em Paris são europeus, nascidos e criados entre os arredores da “cidade Luz”. Já tinha sido assim em Londres e em Madrid. Estes radicalizados que desatam a matar pessoas são europeus, alguns deles até vêm da linha de Cascais, ai não, de Sintra. Segunda, afinal os líderes desta coisa que se classifica algo pomposamente como “autoproclamado Estado Islâmico”, e que pontuam as suas intervenções com referências à sua fé absoluta no Corão, são maioritariamente novos convertidos, pouco mais do que ignorantes da religião de que se dizem paladinos. A moral da história é, portanto, que isto tem muito mais de Europa e muito menos de islamismo do que se quer fazer crer. E que por isso importaria, sobretudo por cá, o humilde e sério exercício de perceber o que se tem feito de tão errado na autoproclamada Europa da igualdade, da liberdade e da fraternidade. O que se tem feito de tão errado que tem levado jovens a tornarem-se brutais assassinos em massa. E por lá, o olhar para tiranetezinhos como não mais do que tiranetezinhos, a tratar como não mais que tiranetezinhos.

Por: André Barata

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