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Um Clássico da Política Portuguesa

Um recente episódio ilustra os vícios, as limitações e a agenda secreta da nossa classe política. Refiro-me à possibilidade da antecipação das próximas eleições, de modo a permitir ao novo governo aplicar em 2016 um orçamento da sua autoria. A pretensão parece legítima e não deveria suscitar grande discussão, sendo até surpreendente não ter já sido encontrada há muito uma solução para o problema. De facto, não tem grande sentido marcar eleições legislativas para Setembro ou Outubro, quando se sabe que o orçamento deverá ser aprovado em Outubro para iniciar a sua execução em Janeiro seguinte. Por isso, o novo governo, em lugar de cumprir as suas próprias promessas, arrisca-se a ter de cumprir as do governo que destronou. Em qualquer caso, a não ser que opte por orçamentos rectificativos, acaba na prática por perder um ano de mandato.

É verdade que, objectivamente, o orçamento começa a ser preparado muito cedo e por isso as eleições teriam de ser marcadas para Maio ou Junho, mas isso não levantaria problemas de maior – a não ser a redução em quatro ou cinco meses do actual mandato (ou do próximo).

Não foi esta a primeira vez que ouvimos um partido na oposição sugerir, ou reclamar, a antecipação das eleições e não será a última em que essa antecipação será recusada pelo partido do governo. A oposição invoca piedosamente o interesse nacional, pedindo ao presidente para antecipar as eleições e o governo responde com a ânsia da oposição em chegar ao poder e com o mandato de quatro anos com que foi legitimado pelos portugueses. O presidente da República, esse, por uma vez, diz uma coisa acertada: se os partidos quiserem alterar as regras do jogo, então que se entendam quanto à alteração da lei que determina que as legislativas se realizem entre Setembro e Outubro.

Vamos assim ter eleições no Outono, como previsto na lei, e orçamentos rectificativos em 2016 se o PS ganhar as eleições. Podemos também ter a certeza de outra coisa: mesmo que o PS ganhe com maioria absoluta, não vai propor tão cedo alterações à lei eleitoral, que também vai querer cumprir até ao fim o mandato com que será legitimado pelos portugueses. Podemos ainda estar certos, no mesmo cenário de vitória do PS, que daqui a quatro anos será o PSD a pedir eleições antecipadas.

Uma solução para isto seria estabelecer agora que a alteração à lei só entraria em vigor daqui a duas legislaturas, mas isso seria uma maneira demasiado evidente de pôr a nu os verdadeiros interesses dos partidos que se vão revezando no poder: pensarem primeiro em si e só muito depois nos interesses do país.

Por: António Ferreira

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