Arquivo

Um caminho muito lamentável

Cavaco tem uma auto-avaliação arrogante da sua honestidade; Alegre tem uma irritante ideia de que é moralmente superior. O resultado não está a ser bom. E é pena. Nenhum dos candidatos merecia isto.

Sejamos sinceros e deixemos de lado a clubite: Alegre e Cavaco são dos políticos mais sérios que se podem encontrar em Portugal. Aliás, tanto quanto sei, o mesmo se pode dizer de Nobre ou de Francisco Lopes (dos restantes não conheço obra nem pensamento). Qual a razão, pois, de a campanha presidencial estar contaminada por casos envolvendo o BPN e, agora, também o BPP? A resposta reside em factores pessoais. Cavaco acha-se acima de qualquer suspeita e nunca quis esclarecer o caso das suas acções na SLN.

Há anos que o Expresso lhe dirigiu um conjunto de perguntas que o Presidente sempre recusou responder. Claro que tinha esse direito, mas sofre agora as consequências da opção que tomou. O caso não ficou esclarecido e, apesar de não ter, em si, qualquer ilegalidade deixa uma mancha. Esta incapacidade de Cavaco para responder a uma crítica (em português chama-se intolerância) ficou bem expressa na célebre frase “há quem precise de nascer duas vezes para ser tão sério como eu”. Ora eu conheço pessoalmente quem não se tenha envolvido na compra de acções ou mesmo em depósitos no BPN por desconfiar da seriedade e da fartura dos juros que o banco oferecia, optando por bancos com ofertas mais modestas. São a pessoas assim, tão ou mais sérias do que ele, que Cavaco tem de explicar a compra e venda de acções com 140% de lucro.

A seriedade não é um valor que se auto-proclame, é algo que os outros reconhecem. Mas Alegre sofre de mal idêntico (além do incómodo que lhe provoca este novo rumo da campanha que contraria o seu estilo próprio de fazer política). Onde em Cavaco há a doença de uma auto-suposta superioridade ética nos procedimentos públicos e privados, em Alegre há uma auto-suposta superioridade moral de uma vida de cultura e de luta contra o obscurantismo. Isto impede o candidato de se situar ao nível de Cavaco quando a conversa se refere a vil metal.

Quando foi recordada a sua participação na publicidade do BPP, Alegre ficou aflito – não porque tenha feito algum mal (posso pessoalmente testemunhar que ele disse a verdade, chegou a telefonar-me para ver se era possível retirar um anúncio), mas porque o mau, o indecente – do ponto de vista da ideologia que subjaz ao actual ataque da esquerda a Cavaco (com dados conhecidos há anos) – é o conúbio com a banca, sobretudo, com a banca má. E esse pecado, voluntária ou involuntariamente, Alegre também o cometeu.

É pena. Para mim estão ambos acima de qualquer suspeita. E o país ganhava se a campanha se fundasse em referenciais de seriedade e não em suspeitas de falta de escrúpulo.

Por: Henrique Monteiro

Sobre o autor

Leave a Reply