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Um amigo

Bilhete Postal

Tenho um amigo muito culto que sabe todos os nomes de cor e sita referências sem pestanejar. Tenho outro amigo que nunca fala.

Limita-se a observar-nos. Sou o público, disse uma vez. Se todos fossem como o Peres que cita e referencia e viveu tudo e tem mil histórias era impossível estarmos juntos. Porque um não fala e outro exagera, podíamos dizer que o silêncio e a verborreia são pecados do relacionamento. Mas o silêncio não é. O silêncio pode ser enigmático. Pode ser provocador. Um silêncio acompanhado de um olhar pode ser amor. A verborreia enche mais o espaço, mas apaga a intimidade que deveria existir nele. O Peres era um incómodo. De tudo ele sabe, de tudo tem opinião, de tudo diz e critica. O Peres cansa. O Murta é silêncio. Fica a ouvir e muitas vezes apenas sorri se o interpelamos. Não se compromete. Não se identifica e não cria referências. Qual dos dois irá mais longe? Nas sociedades de consenso foi subindo o Murta, em tempos de quezília foi-se elevando a Peres. O consenso permite estes nim, estes caminhos sem escolha. O Murta, por outro lado, tem a vantagem de não se por a falar quando estamos na pesca, ou numa caminhada reflexiva pelo entardecer. Um silêncio permite ouvir o espaço ao redor. Ontem levei o Murta à direita e o Peres à esquerda e depois de andar uma hora tinha um torcicolo para o lado do Peres.

Por: Diogo Cabrita

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