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Tudo de Novo Debaixo do Sol

Foi no espaço de uma geração que tudo mudou. As famílias passaram a ser mais pequenas, mas a viver em casas maiores. As mulheres deixaram de ser “donas de casa”, ou “domésticas”, e arranjaram emprego (que as despesas com a casa tinham aumentado). A esperança de vida subiu dramaticamente, assim como a altura média dos portugueses. A mortalidade infantil e a taxa de analfabetismo baixaram. Há frigoríficos em quase todas as casas (mas televisão em todas) e sapatos em quase todos os pés. O país era tão atrasado que nem poluía e passou a ter de comprar direitos de emissão de dióxido de carbono. Entretanto aumentou exponencialmente o número de alérgicos e asmáticos. Acabaram as mercearias de bairro, as matanças do porco, as maçãs bichosas, a morcela com açúcar amarelo, a neve, a camada protectora de ozono, a sucessão clássica e aparentemente inelutável das estações e a vergonha. Mas não o medo. Desapareceram é claro muitas outras coisas, como por exemplo as máquinas de escrever e a “Pasta Medicinal Couto”, mas apareceram outras em substituição, em geral com ganhos para toda a gente.

Mais importante é que há outras mudanças em curso, que nos vão afectar dramaticamente, e estas vêm de fora. Há a subida imparável do preço do petróleo – e só vai deixar de subir quando acabar – que promete destruir a economia mundial como está hoje organizada. Ou a emergência da China, que se propõe nivelar por baixo todos os preços e todos os salários. Ou ainda a globalização, que ajuda milhões de chineses a sair da miséria à custa de milhões de europeus e americanos.

Curioso, e de mau agoiro, é que em Portugal se continue a agir como se o nosso pequeno rectângulo continuasse isolado do mundo. Ou como se nada se tivesse passado nos últimos anos.

É por isso que vemos os operários da fábrica da GM na Azambuja a reclamar aumentos salariais – como se não soubessem que no leste europeu há quem aceite trabalhar por muito menos que eles, ou que a GM se encontra nos Estados Unidos à beira da falência e necessita urgentemente de reduzir custos. Custos salariais, já agora. E que a GM precisa apenas de um pequeno pretexto para sair de Portugal.

É também por esse fingimento (ou ignorância) de que nada se passou de novo que em Portugal se continua a investir em auto-estradas em detrimento do comboio, ou em centros comerciais (em que se vendem produtos fabricados na China) em detrimento das poucas vantagens comparativas que nos restam.

Sugestões:

Um livro: A Fé em Guerra – uma Viagem Pelas Frentes Islâmicas, de Bagdade a Tombuctu (Yaroslav Trofimov, Civilização 2006). Contrariamente ao que eu pensava, a Arábia Saudita é um país miserável, com salários médios abaixo dos nossos e em que o luxo e a riqueza, ou tão só uma vida decente, estão reservados a poucos. O resto (dos países islâmicos) é ainda pior: se lhes retirassem o petróleo, o conjunto das suas economias representaria menos do que, por exemplo, a Nokia. Entretanto, todos estão convencidos de que nós, os ocidentais, somos os responsáveis por isso.

Outro livro: A Crise do Islão – Guerra Santa e Terror Ímpio (Bernard Lewis, Relógio D´Àgua 2006). A democracia no Islão é desejável, mas quem acredita na sua possibilidade?

Outro: Sexual Personae – Art and Decadence from Nefertiti to Emily Dickinson (Camille Paglia, Random House 1991). Outro exemplo do muito que nos vai passando ao lado, num mundo que compreendemos cada vez menos.

Por: António Ferreira

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