Arquivo

Tratar da Vidinha

Descobriu-se recentemente que Mubarak e o seu “entourage” tinham acumulado uma fortuna de mais de setenta mil milhões de dólares, boa parte dela escondida em contas numeradas na Suíça e obtida à custa da pobreza dos seus concidadãos. As revoltas no Egipto, como na Tunísia, no Iémen ou na Líbia, têm de comum alguém que está no poder durante décadas e engordou na corrupção e na incompetência. Passado os anos, começam a tornar-se demasiado evidentes as duas realidades – a riqueza excessiva e não justificada de uns poucos, comparada com a pobreza generalizada dos outros. Estes acabam por descobrir que o fundamento do regime não é outro senão o interesse da pequena clique corrupta que manda e que mantém o país como seu refém e escravo, em que a riqueza excessiva daquela faz realçar obscenamente as dificuldades dos restantes.

Dizia Tony Judt no seu último livro (“Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos”, Edições 70), publicado em 2010, ano da sua morte, que a desigualdade é corrosiva e apodrece a sociedade a partir de dentro. Numa situação como a nossa, em que a crise obriga a sacrifícios de quase todos, a manutenção de privilégios por alguns destrói o equilíbrio da sociedade, apodrece-a. Não parece justo, por exemplo, obrigar empresas e particulares a sacrificarem-se mais, e a pagarem mais impostos, se a banca o não faz e continua a ser beneficiada.

Sabe-se há muito, e o fenómeno começou a tornar-se mais evidente nos Estados Unidos da América, que muitas das maiores empresas servem sobretudo para gerar fabulosos rendimentos para os seus gestores. A Enron estava falida mas o seu CEO era principescamente remunerado e o mesmo aconteceu com os gestores da banca e da indústria automóvel, igualmente falidas. Entretanto, aumentavam os exércitos de desempregados, explodiam os índices de pobreza e crescia a sensação de que os fundamentos da sociedade estavam do avesso.

Na semana passada, foi chumbada no parlamento português, pelo bloco central, uma proposta de limitação das remunerações dos gestores públicos. O PS e o PSD votaram contra com o argumento de que a proposta era demagógica e favoreceria a fuga dos quadros afectados para o estrangeiro (e isso é mau?). Para que conste, e como apontava Tony Judt, a desigualdade em Portugal é muito elevada, muito maior do que em qualquer uma das democracias nórdicas, do que em Espanha, na França, na Irlanda ou na Grécia (pior do que nós, entre os países referidos por ele, só os Estados Unidos). O PS e o PSD defendiam no fundo a manutenção do status quo, da razão que os mantém na política: a possibilidade de enriquecimento pessoal dos seus dirigentes à custa do Estado e de todos nós. Não é o bem comum, não é patriotismo, não é o cumprimento do dever. Eles querem é chegar ao poder para depois ingressarem nos bancos, nas empresas públicas, nas empresas que dependem do Estado e depois enriquecer – à nossa custa.

Perante tudo isto há muitos que começam a reparar que o bloco central governa Portugal desde 1976 (Mubarak só chegou ao poder em 1981) e que desse seu governo beneficiaram sobretudo os próprios, que à medida que a sua incompetência aproxima o país do abismo aumenta também o seu apego às prebendas que se atribuíram e de que disfrutam rotativamente. Isto cada vez se parece mais com o Norte de África, menos a capacidade de revolta de quem é prejudicado.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply