Arquivo

Trancoso, que futuro?

Foi-me proposto escrever sobre o concelho que me viu nascer. Apesar de há 10 anos ter saído de Trancoso, julgo poder afirmar que Trancoso nunca saiu de mim. Trancoso tal como outras localidades de semelhante dimensão e posição, ou como a região interior, sofre acentuadamente a decadência inerente à desertificação. Entretidos por troikas, esquecemos aquele que é o verdadeiro problema português e também europeu – a demografia. A inversão da pirâmide demográfica coloca em causa o nosso Estado-nação. Um país desertificado, empurrado para o litoral e estrangeiro, é um país cuja sobrevivência está em causa. Muitos temem que a exiguidade portuguesa possa chegar devido aos problemas financeiros e fraca competitividade económica. Porém, será a escassa massa crítica, cujos melhores elementos “foram exportados”, a colocar em causa a viabilidade de toda a interioridade e do país como consequência.

Recentrando no concelho de Trancoso, gostaria de começar por falar das tão propaladas eleições que se avizinham. Nunca conheci outro presidente da câmara além daquele que em breve finda funções. Aleluia, dirão. Subscrevo. A eternização em cargos executivos tende a revelar resultados perniciosos. Trancoso não é exceção. Montesquieu disse que «todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites». Júlio Sarmento, como outros presidentes de Câmara, não encontrou suficientes limites à execução do seu poder e também não conseguiu uma das mais raras qualidades no exercício do poder político, que é a virtude política que, segundo Montesquieu, consiste na «renúncia a si mesmo, que é sempre uma coisa muito dolorosa».

Aqui chegados seria finalmente a hora da esperança. Enquanto pragmático pessimista temo que as sementes de esperança até agora lançadas não passem de fugazes demagogias. Ora vejamos: no PSD a renovação propõe-se ser feita pelos candidatos do costume. O presidente da concelhia do PSD local, António Oliveira, eterno candidato à sucessão, viu-se arredado de tal discussão, tendo ainda visto tolhido um parecer na escolha do sucessor. Ficou João Rodrigues, eterno vereador com tantos anos de vereação como de alheamento à mesma, que sabe tanto do funcionamento camarário como eu de crochet. O PS aposta na continuidade de Amílcar Salvador. O eterno candidato surge com a obrigatória gravata vermelha e o discurso de sempre. Vem fazer diferente, melhor, dinamizar. Mas até hoje ninguém ouviu ao candidato e seus correligionários dizer o que fariam diferente. Os candidatos têm muito em comum, especialmente as características do discurso e pensamento – vazios.

O futuro não é risonho e não haverá dinamismo que valha. Uma Câmara atolada em dívidas, com uma população minguante, onde apenas crescerá o número de velhos, por sua vez reformados ou desempregados, sem hipótese de regresso ao ativo. Nos próximos tempos ouviremos repetir a expressão “dinamizar”. Tudo passa por dinamizar. O quê, como, quando e em que circunstâncias ninguém saberá explicar. Mas é uma palavra bonita. Encaixa bem. Ninguém discute. Recentemente, em conversa com amigos acerca do Parque Municipal, ouvi a malfadada expressão: «É preciso dinamizar o Parque». Fomos até lá. Os bancos estão impecáveis. O campo desportivo é recente, seguro e funcional. O parque infantil cuidado. Ainda assim diz-se carecer dinamização. Dinamizar as árvores? Não se sabe como.

Importante seria discutir aquilo que por empírico saber sei que não acontecerá. Gostava de ver propostas de gestão da coisa pública numa lógica global. As Câmaras da região têm de intersectar políticas e apostas. A governação terá de assentar em modelos regionais. A complementaridade e heterogeneidade devem ser prioridades. A própria gestão do território carece duma supervisão regional. Não pensem os caciques que falo de regionalização. Enquanto a governação sofrer o transtorno “da minha rotunda é maior do que a tua!” o interior apenas verá dinamizado, de forma agressiva, o seu definhar. Era este tipo de ideias e medidas concretas que gostaria de ver discutidas.

David Santiago, Lisboa

Sobre o autor

Leave a Reply