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«Trancoso pode capitalizar a próxima reforma administrativa»

P – Quais são os aspetos mais positivos que há a destacar no concelho de Trancoso?

R – Temos tido a preocupação de planear o nosso desenvolvimento seguindo o plano “Trancoso 2020”, que foi organizado pela CEDRU, do professor Jorge Gaspar, um dos grandes planeadores do território, com base num conjunto de audições muito vasta de atores institucionais e privados, empresas, cidadãos e movimento associativo. O documento aponta três “clusters” de orientação, baseados naquilo que são as nossas potencialidades e o que nos distingue, como o comércio, os serviços e o turismo. A estrutura económica de Trancoso é sobretudo comércio e serviços, é aí que se concentra grande parte da nossa população ativa. Portanto, tudo o que seja trazer gente e atividades a Trancoso significa dar dinheiro a ganhar a esse setor. Por isso o turismo, que traz gente para animar a nossa atividade comercial de base. O comércio, porque é aquilo que verdadeiramente distingue Trancoso. Castelos há vários, centros históricos notáveis também, mas as nossas feiras e mercados constituem verdadeiramente algo de muito peculiar. Já os serviços são importantes num centro que se quer supramunicipal, sendo exemplos disso a Escola Profissional, a AENEBEIRA, a Raia Histórica ou o GAT.

P – Entre as apostas, cabe também lembrar que o município definiu a construção de vários museus, que parecem muito atrasados. Como está esse plano?

R – Precisamos encontrar mais algumas âncoras para segurar o turista pelo menos mais uma noite em Trancoso. Neste momento a oferta é o castelo, o centro histórico e o futuro Centro de Interpretação da Cultura Judaica, cuja construção já começou. Falta-nos o grande museu que conta a história de Trancoso, o mais atrasado, que verá a luz do dia no antigo Palácio Ducal, onde também ficará o Centro de Interpretação da Batalha de Trancoso. Atualmente, contamos ter pronto o projeto do museu em Setembro e depois vamos candidatá-lo à segunda fase da contratualização da Comurbeiras. O problema é que, neste momento, ninguém sabe se haverá essa segunda fase ou se o envelope financeiro disponível até 2013 será alocado à Comissão de Coordenação. Espero também que com este Governo se concretize uma das apostas do primeiro-ministro, que é a abertura para candidaturas de equipamentos sociais, um setor que emprega muita gente, e ao qual candidataríamos dois lares de idosos em Vila Franca das Naves e na Granja.

P – O resultado dos últimos Censos põe em causa as orientações desse plano?

R – Não, porque em 2001 a população do concelho tinha perdido pouco mais de cinco por cento, tivemos o terceiro resultado do distrito a seguir à Guarda e Celorico da Beira. Dez anos depois perdemos oito por cento, mas ficámos mesmo assim em segundo lugar no contexto distrital atrás da Guarda. A desertificação é uma triste realidade, mas competimos contra tudo aquilo que nos é hostil, como a tendência para o despovoamento e o envelhecimento da população, a falta de competitividade das nossas empresas e a pequenez dos seus mercados. Nós competimos para desenvolver o concelho apesar destes fatores, mas também competimos com outros concelhos. Tenho dito que Trancoso é potencialmente um concelho federador e é também com essa meta em vista que temos tido a preocupação de apostar e robustecer o município. Enfim, isso não evitou de todo a continuação da perca populacional, mas de alguma forma permitiu resistir melhor que muitos outros.

P – Nesse contexto, Trancoso pode ter algum papel de capitalidade na região, tendo em conta que a “troika” sugere a extinção de concelhos?

R – Há vários anos que o digo – e as atas da Assembleia Municipal estão aí para o provar – que Trancoso é um concelho potencialmente federador porque, mesmo antes da “troika”, não fazia sentido não haver uma nova reforma administrativa que procurasse dar um novo desenho, dando mais robustez aos concelhos que tivessem capacidade de resistir. O memorando da “troika” vem, de alguma forma, reforçar aquilo que vários estudos universitários aventavam, que é a necessidade de uma reforma administrativa, sobretudo no interior do país. Ora, nesse contexto, a proposta da “troika” é acertada, pois, tal como no tempo da reforma de Mouzinho da Silveira, também agora há necessidade de dar esse passo, de juntar um conjunto de municípios e de criar novas centralidades. Nesse contexto, Trancoso é um concelho que pode capitalizar essa mudança.

P – Como acha que será este distrito quando essa proposta for implementada?

R – O distrito da Guarda vai variar entre três e seis concelhos. Numa perspetiva minimalista podem ficar três, noutra maximalista ficarão seis. Neste caso poderão ficar Guarda, Seia, Gouveia, Sabugal, Pinhel e Trancoso. Na pior hipótese ficarão, na minha opinião, as sedes das atuais Associações de Desenvolvimento Local, a Raia Histórica (Trancoso),) Pró-Raia (Guarda) e ADRUSE (Gouveia), neste caso talvez com predominância de Seia. Pode variar entre um cenário e o outro, no entanto, acredito que dos atuais 14 poderão ficar seis. De resto, esta leitura tem em conta as NUT III – pois já não se fala em distrito –, o que quer dizer que Aguiar da Beira e Vila Nova de Foz Côa nunca entrarão nestas contas. Não creio que vá haver desagregação de NUT’s para este arranjo, que servem também para responder à questão dos SAP, pois o hospital distrital tem que contar com a Guarda, Seia e nunca com Foz Côa. Por isso, o investimento que está a ser feito nesse centro de saúde não tem sentido estratégico nenhum para a ULS da Guarda por estar a ser feito noutra NUT. E só acontece porque temos tido políticos que procuram marcar a sua gestão com as suas raízes e quando assim é temos políticos medíocres. Isso quer dizer que o futuro Serviço de Urgência Básica previsto para Foz Côa terá que ser feito em Trancoso.

P – Como está o projeto do hospital da Misericórdia de Trancoso e qual a sua importância para o futuro do concelho?

R – O concelho só conseguirá manter gente, atrair turistas e quadros se tiver respostas na área da saúde. Sempre tivemos a noção de que a falta de médicos e uma reorganização do sistema de saúde poderiam levar ao encerramento do Serviço de Atendimento Permanente (SAP), contra o qual temos lutado com manifestações e posições de força porque não queremos perder essa valência. Mas tínhamos que ter preparada uma unidade de retaguarda que pudesse dar essa resposta. A nossa candidatura ao Programa Saúde XXI foi aprovada para uma unidade de cuidados continuados, que está concluída mas que, por razões várias, não arrancou ainda. O resto do edifício está preparado para ter uma unidade complementar à estrutura pública de saúde. Estamos a dar os primeiros passos, abrimos já consultórios e temos alguns médicos para dar consultas. Mas temos dois novos parceiros que poderão querer dar uma resposta privada mais encorpada, aproveitando as excelentes instalações que esta unidade tem, nomeadamente um bloco operatório e sala de recobro com grande capacidade. Reuni na semana passada com um dos grupos interessados e vou falar no início deste mês com o outro, sendo que ambos estão interessados em fazer uma parceria com a Misericórdia de Trancoso para criar uma oferta de saúde mais robusta e estou convencido que poderemos ter essas condições.

P – Sabe-se que a Câmara de Trancoso tem uma situação financeira de alguma debilidade. Qual é neste momento a saúde financeira da autarquia?

R – A Câmara de Trancoso tem 4,5 milhões de euros de empréstimos a médio e longo prazo. Há três anos eram sete milhões, portanto não tem grande expressão. Temos uma situação de oito milhões de dívida de curto prazo, que inclui os subsídios a coletividades, os fornecedores e obras em curso, que é o mais preocupante. A solução passará pela contratação de um empréstimo da ordem dos cinco milhões, passando o nosso endividamento de médio prazo para nove milhões de forma a conseguirmos pagar aos fornecedores. A relação das dívidas está no site da Câmara e, comparativamente com outros municípios da região, é uma situação que não é muito preocupante. Isto vai levar-nos também a uma contenção, pois estamos convencidos – e temos vindo a pagar bem as obras comparticipadas, temos praticamente tudo fechado com exceção das que estão em atividade, como o Campo da Feira, o Museu Judaico, a renovação da iluminação pública, está praticamente concluído o quartel dos bombeiros de Vila Franca das Naves. Basicamente, temos até 2013 para apostar na nova zona industrial de Trancoso, no museu da cidade e ficarmos por aí em termos de grandes investimentos porque temos que consolidar agora as nossas contas depois do esforço que tem sido feito. Ficará o mercado municipal, que passará por uma estratégia que envolva parceiros, pois a Câmara só precisa cerca de um terço do atual espaço e o resto deveria ser para lojas comerciais. Contudo, estamos numa conjuntura económica que não permite atrair facilmente privados para esse empreendimento.

P – Mas como fazer essa consolidação das contas do município numa altura em que as receitas diminuem drasticamente?

R – A consolidação vai fazer-se com a contração desse empréstimo que, basicamente, vai pagar o curto prazo. Pagando o curto prazo, o município terá condições para ir pagando os empréstimos de médio e longo prazo e ter dinheiro para fazer face às comparticipações destes investimentos comunitários.

P – Acha que a atual crise vai acabar com o modelo autárquico que conhecemos em termos de gestão do território, do município e do distrito?

R – Vai facilitar o acelerar dessas reformas. Tem que se conseguir ver, de forma concertada, a reforma da nova lei eleitoral autárquica com o reordenamento do mapa administrativo e também com a reforma das lei das finanças locais. Sem isso não teremos grandes condições de dar sustentabilidade aos novos municípios que ficarão depois desse novo mapa que o memorando de entendimento com a “troika” pressupõe.

P – Tem referido como bom exemplo o modelo francês de desenvolvimento regional levado a cabo a partir dos anos 50. É uma ideia que também se pode aplicar em Portugal?

R – A França constatou que havia um excesso de crescimento industrial e populacional em Paris e procurou, durante 30 anos, fazer o reordenamento do território com uma política de cidades de média dimensão para as quais a administração central deslocou serviços do Estado, como universidades, unidades de investigação científica, meios de defesa e competências. Mas também se espalharam várias atividades económicas, o que fez com que a França tenha hoje um território mais equilibrado com um conjunto de cidades de média dimensão que são competitivas internacionalmente, como Lyon, Bordéus ou Toulouse. Em Portugal, o desenvolvimento das áreas rurais do interior não se pode fazer apenas com os municípios, que já resolveram problemas da qualidade de vida dos seus munícipes, de infraestruturação de equipamentos coletivos e de redes de transportes. Reordenar o território é uma tarefa que pressupõe um esforço do Estado e uma política concertada de deslocalização de atividades, como institutos, e de empresas concedendo subsídios de natureza fiscal, mas que sejam suficientemente atrativos. O Estado tem que fazer algo parecido com isto, pois hoje temos economias de aglomeração à volta de Lisboa e Porto onde se concentram três quartos do valor acrescentado bruto do comércio, serviços e indústria e dois terços da população.

P – E acha que o atual Governo tem esse objetivo ou entendimento?

R – Em Portugal, só no quarto Plano de Fomento, em 1973-74, é que houve um secretariado técnico junto da Presidência do Conselho de Ministros com um conjunto de economistas notável, como João Salgueiro e Xavier Pintado, que tinham o objetivo de coordenar o reordenamento do território. Nos dois anos em que foi implementado nasceram as comissões de planeamento que deram origem às CCDR’s, que, apesar de tudo, têm sido nestes anos os únicos órgãos da administração central com alguma atividade de planeamento no território. Até agora, todas as medidas de política nacional foram sempre horizontais e aplicadas da mesma forma e com as mesmas taxas praticamente em todo o território nacional sem terem em conta a especificidade dos vários locais. É preciso um órgão junto do Conselho de Ministros que tenha por objetivo cruzar estas especificidades do território com as políticas nacionais. Ora, mesmo num contexto de crise, o atual Governo poderia ter uma unidade de missão para fazer um programa de médio prazo para reordenar o território. Mas não o consegue sozinho, pois não é possível fazer isso sem um entendimento entre PS e PSD, que têm que se pôr de acordo para concretizar um programa a 30 anos de reordenamento do território que tenha fases evolutivas de compromissos do Estado, mas com metas que sejam percetíveis a todos para serem monitorizadas. Não é preciso um envelope financeiro de imediato, mas é preciso pôr em marcha um conjunto de atividades de planeamento para que, quando estiverem prontas, possam começar a ter alguma roupagem e desenvolverem-se ao longo dos anos. Sem um acordo entre os dois principais partidos, para acautelar as mudanças de ciclo político e manter este plano, não é possível haver um esforço sério de reordenamento do território nacional.

P – Mas acredita que pode haver algum entendimento e intenção de concretizar um plano com essas características? Vai defendê-lo?

R – Tenho vindo a defendê-lo, mas nunca vi sensibilidade nenhuma em nenhum Governo e também não a vejo no atual. Vai haver um enfoque muito grande no cumprimento do memorando de entendimento, na resolução dos problemas da nossa economia, do défice, do endividamento, da competitividade, do equilíbrio da balança de pagamentos e da balança comercial. O que não vejo é a preocupação em criar um programa sério e conseguir um entendimento a sério com o partido da oposição para um programa de médio prazo. Nisso, estou muito pessimista.

P – Não vê alternativas, nomeadamente a possibilidade de conseguirmos atrair investimentos além da intervenção do Estado?

R – Só conseguiremos atrair investimento se houvesse, primeiro, um grande desenvolvimento da economia espanhola da zona raiana, o que poderia levar ao aproveitamento desse mercado e à instalação de empresas. Mas como sabemos a periferia económica de Portugal e de Espanha é também a periferia geográfica, isto é, a área mais deprimida de Espanha é fronteira com Portugal, e vice-versa. Outra possibilidade é um choque fiscal, em que as empresas que queiram vir para o interior terão uma taxa zero de IRC. Sem essas condições continuaremos a perder população.

P – Mas quando houve uma redução para 15 e 10 por cento de IRC para novas empresas também não houve sucesso…

P – Isso porque a medida não foi suficientemente atrativa. Estamos longe dos mercados e sediar aqui empresas de produção industrial torna-as menos competitivas porque o custo do transporte onera, pelo que o desconto fiscal tem que ser compensador para o custo do transporte incorporado no preço do produto final. Portanto, se a redução não for suficientemente atrativa, tem que ser praticamente de base zero, não cobre o custo do transporte e dos recursos humanos envolvidos que oneram o produto. Além de que há outras deseconomias. Uma empresa tecnológica não tem que vencer apenas o custo do transporte, também precisa de mandar vir um técnico de Lisboa quando avaria uma máquina… O interior só se desenvolve com um programa de médio prazo da responsabilidade do Governo. Ou com um choque fiscal, ou com um crescimento extraordinário do mercado espanhol.

P – Mas qual é a responsabilidade de uma autarquia, tendo em conta que na região há municípios que atraem empresas e novos projetos industriais e outros em que nada acontece?

R – A responsabilidade também é em parte dos municípios, mas os casos de maior sucesso são de concelhos que tiveram novas acessibilidades mais cedo – como Viseu ou Castelo Branco – e isso foi determinante para deslocalizar atividades económicas. No caso de Trancoso, estou convencido que o IP2 pode vir a gerar a curto prazo condições de alguma atração. Depois, houve também investimentos do próprio Estado nalguns sectores, designadamente em institutos universitários, que criaram alguma massa crítica que foi suficiente para atrair um conjunto de equipamentos e estes, no seu conjunto, atraíram atividades industriais. Portanto, os concelhos mais interiores que tiveram acessibilidades mais tarde e onde o Governo não fez investimento suficientemente atrativo acabaram por ter menos condições de desenvolvimento e de sustentabilidade. Em Trancoso tivemos que ser nós a criar a escola profissional, de base regional, porque o Governo não criou um instituto politécnico. Também tivemos que ser nós a criar uma oferta de saúde condigna e de qualidade e a procurar localizar aqui algumas coisas que nos ajudam a trazer gente. É por isso que tudo o que conseguimos num concelho pequeno é importante. É muito difícil trabalhar num município onde o Estado não pôs educação, nem saúde, onde não sediou competências delegadas, além de ser o que tem pior clima do interior, é extremamente acidentado, pobre em termos dos seus recursos – inclusive da agricultura, sem um rio e só agora perto de uma autoestrada. Com estas condições, pergunto-me como é que conseguimos criar em Trancoso condições de sustentabilidade e de competitividade, além de perder menos população que outros concelhos que têm melhor localização geográfica, melhor clima, são mais ricos em termos de recursos e mais próximos de outros centros.

P – Quase parece parte do balanço de uma vida de autarca. É assim que já se vê?

R – Não. Repare que não tivemos o Estado ou a EDP a fazer-nos barragens, mais uma vez tivemos que ser nós a resolver o problema do nosso abastecimento de água. Não só lutámos contra as adversidades físicas, como também tivemos que ser nós a resolver os problemas que outros resolveram com a ajuda do Estado. De resto, o projeto das Águas da Teja é pioneiro no abastecimento de água e, hoje, não temos uma pressão sobre a despesa corrente do município que têm todos os outros do distrito da Guarda. Os concelhos da dimensão de Trancoso têm que pagar, no mínimo, entre 1,2 e 1,3 milhões de euros, enquanto a Guarda paga mais de dois milhões só para comprar água. Pelo contrário, nós não pagamos nada e ainda recebemos uma renda. O que deixo como legado em Trancoso, uma vez que não vou recandidatar-me, é uma cultura democrática e cívica de participação. Foram anos e anos de convergência, de concertação e de respeito pelas oposições – que se vê na forma como convivemos, nos continuamos a falar e se gere uma comunidade que tem obviamente divergências, mas que sabe convergir quando é essencial. Este caldo de cultura democrática que temos em Trancoso é talvez o aspeto mais positivo destes 25 anos de presidência da Câmara.

P – Vai chegar ao final deste mandato?

R – Já antecipei várias vezes esse cenário, mas ainda não tenho uma resposta para ele. Neste momento não sei se chegarei ou não ao final do mandato, isso depende de fatores externos.

P – Como sabe, o seu nome é um dos primeiros a surgir cada vez que se especula sobre putativos candidatos do PSD à Câmara da Guarda. Essa possibilidade está nos seus horizontes ou é um assunto em que nem quer pensar? O que vai fazer se alguém o desafiar a candidatar-se na Guarda?

R – Se assumir, a curto prazo, compromissos empresariais que neste momento tenho em perspetiva abandonarei pura e simplesmente toda a vida política e partidária, desde o PSD à possibilidade de ser candidato em qualquer outra Câmara. Se não tiver sucesso nesta aventura empresarial, aí direi que estarei disponível para novos desafios, mas tudo depende dessa alteração das circunstâncias.

P – Como autarca com longa experiência, acha que poderia ser um contributo para a mutação do atual estado de descrença que existe na Guarda?

R – A forma como estão as finanças da Câmara da Guarda e os compromissos assumidos – e não faço uma reflexão sobre a bondade das decisões – não é possível que nenhum candidato do CDS, PCP, Bloco, PSD ou PS venha tentar enganar os eleitores da Guarda dizer que vai fazer isto ou aquilo. Porque as finanças da generalidade das Câmaras do país e sobretudo da Guarda não permitem que ninguém venha prometer que com os dinheiros da autarquia vai fazer seja o que for. Não é possível. E se o fizer está a enganar as pessoas. A Guarda só consegue inverter este ciclo que agora se apoderou da cidade e do concelho de desertificação e perca de população se tiver um candidato – que, neste contexto, terá que ser do PSD ou do arco PSD/CDS – que comprometa o Governo atual a fazer quase um “Plano Marshall” para a Guarda. Não é injetar dinheiro na Guarda, é comprometer-se com um conjunto de decisões que signifiquem uma mudança radical das opções de desenvolvimento do município. Tal como estão as finanças do município, não é possível ninguém prometer seja o que for de investimento ou de equipamento que possa, por si, desencravar a atual situação da Guarda. A Guarda precisa de um “Plano Marshall” e isso tem que vir do Governo, agora se é para ser um candidato do PSD a dizer apenas que tem a solidariedade do Governo, sem o comprometer previamente, também não vai lá porque é fazer o mesmo que o presidente Valente fez com o antigo primeiro-ministro sem resultados visíveis. Portanto, não vale a pena andarmos a enganar-nos uns aos outros, nem a enganar os eleitores. Isto só se resolve com um “Plano Marshall”, de compromisso do Governo para com a Guarda. A solução autárquica para a Guarda está nas mãos do Governo.

P – Poderia ser Júlio Sarmento o protagonista desse compromisso junto de Passos Coelho?

R – Eu só seria candidato à Câmara da Guarda se tivesse por parte do Governo essas condições. Mas é preciso um compromisso sério, nada da promessa verbal do primeiro-ministro ou de seja quem for. Sem isso não é possível, com as finanças da Câmara e no atual enquadramento, dar à Guarda as potencialidades de desenvolvimento que tem que ter e ainda não conseguiu.

P – Como acha que se chegou a este ponto?

R – Os guardenses têm que pensar por que é que a Guarda perde população com a sua privilegiada localização junto à fronteira e no cruzamento da A23 e A25. Ao contrário de outras capitais de distrito que cresceram, como Castelo Branco, Viseu, Bragança ou Vila Real, porque é que a Guarda não cresceu se tem melhores condições que Castelo Branco e Bragança. Como foi possível com todas estas condições não vencer o desafio e, pelo contrário, perder população e protagonismo. Não estou a desmerecer das decisões que foram tomadas na Guarda porque não as conheço, o que penso é que o cidadão deve fazer este balanço.

P – O distrito também perde pelo facto da sua capital não conseguir novas dinâmicas?

R – Com certeza. Se a Guarda tivesse duas vezes mais população tinha muito mais atividades que empregavam pessoas e isso tinha gerado emprego em Pinhel, Almeida, Celorico e Trancoso. Se Trancoso estivesse à distância de Lisboa, do Porto, de Aveiro ou de Viseu como está da Guarda, teríamos nós também sentido estes benefícios, porque haveria gente que se não conseguisse emprego no concelho tê-lo-ia a 15 minutos de casa. Haveria também empresas que poderiam sediar-se em Trancoso para trabalhar em subcontratação.

P – Como estamos em termos das parcerias público-privadas, que em tempos deram polémica com o PS. Foram a melhor opção para equipar o concelho?

R – Na altura, o QREN estava quase três anos atrasado na sua implementação e a sua articulação não permitia beneficiar determinados investimentos. Programámos então uma parceria público-privada (PPP) para ir fazendo um conjunto de obras que, à partida, o QREN não conseguiria comparticipar, caso da central de transportes. Também pensámos que não haveria condições para apoiar a construção do Centro Cultural Miguel Madeira, em Vila Franca das Naves, e a requalificação do campo da feira. Deixámos para uma segunda fase desta parceria os projetos que mais facilmente poderiam ir ao QREN, como o Centro de Interpretação da Cultura Judaica, o Museu da Cidade e o Centro de Interpretação da Batalha de Trancoso. Ou seja, lançámos uma parceria para sete obras, num investimento de 23 milhões de euros, e reduzimo-la a três projetos e a sete milhões de euros, mais 1,5 milhões de IVA que já recuperámos entretanto. Fizemos um concurso público internacional para selecionar o parceiro [a Manuel Rodrigues Gouveia] e pusemos uma cláusula no contrato de adjudicação para salvaguardar a redução da parceria sem direito a indemnização por parte do adjudicatário. Por isso é que fizemos só uma PPP, que reduzimos a um terço do investimento e das obras previstas, pois era o limite que poderíamos pagar sem comprometer o orçamento da Câmara. É por isso que pagamos de compromissos à PPP cerca de 80 mil euros por mês, que damos à empresa municipal, o veículo da parceria, sendo certo que desse montante também se recuperará o IVA. Apesar de tudo, é um custo perfeitamente comportável para a autarquia. Além disso, este montante sai como despesa de capital e não como despesa corrente, o que quer dizer que a PPP não tem custos correntes na Câmara de Trancoso. Tivemos essa preocupação porque sentimos que se executássemos a totalidade desta parceria, ela poderia ser extremamente custosa e gravosa para as finanças do município. E fizemo-lo sem ter ainda toda a solução do QREN, pois neste momento apenas o Centro de Interpretação da Cultura Judaica foi comparticipado e estamos a pensar que poderemos conseguir apoios para o Museu da Cidade.

P – Como está o projeto do parque ambiental com o grupo Lena em Vila Franca das Naves?

R – Está prevista para 4 de agosto [hoje] uma reunião com os responsáveis da empresa para dinamizarmos esse processo.

P – O IP2 trouxe uma grande revolução à parte norte do distrito da Guarda e o grande beneficiado é o concelho de Trancoso. Como tirar partido disso?

R – Estou convencido que cria condições para que Trancoso evolua positivamente e contribua para a alavancagem do concelho dando-lhe mais competitividade.

P – Não receia que também sejam introduzidas portagens nesta via?

R – Recear, receamos, mas, tanto quanto se visualiza, o IP2 não vai ter portagens para já. Mas não estamos livres de vir a acontecer, é uma decisão que não compete à Câmara, nem foi negociada connosco nenhuma exceção. Mas espero que o PSD consiga pôr o país a crescer e que não seja necessário portajar o IP2.

P – Como vê a introdução de portagens na A25 e A23 a partir de setembro?

R – É muito preocupante para este território, porque o custo do transporte do produto já onera mais do que a vantagem fiscal concedida às empresas aqui instaladas. Ora com portagens, esse custo vai ser muito maior. Portanto, haverá mais dificuldade para o turismo, a mobilidade, a instalação e competitividade das empresas, que têm que vender noutros mercados. Sou contra a introdução de portagens, que serão extremamente negativas para estes concelhos. Ficaremos pior se o Governo não fizer um programa de investimento no reordenamento do território – e para isso são precisos instrumentos fiscais, de delegação de competências e novas atividades e serviços – e ainda nos onerar mais com esta medida, isto apesar de compreender o princípio de utilizador/pagador.

P – Acredita que há condições para os Serviços de Atendimento Permanente (SAP) continuarem a funcionar 24 horas por dia em Trancoso e no distrito?

R – Claro. Recordo que o atual primeiro-ministro sempre esteve contra o fecho dos SAP’s e acredito que é uma pessoa coerente. Agora, temos que ver que há concelhos que, por falta de meios e recursos humanos, vão ficar sem ensino secundário e profissional e com falta de médicos e de outros profissionais. Nesses concelhos do distrito, naturalmente que o SAP vai deixar de funcionar à noite porque não há capacidade de resposta. Em Trancoso, temos condições para continuar com o SAP 24 horas por dia e não vou aceitar nunca que feche à noite.

P – Como está o projeto do Centro de Interpretação da Batalha de São Marcos, anunciado há seis anos?

R – Era para ser construído no planalto de São Marcos, mas pensámos em mudar a sua localização porque com as nossas condições climatéricas só funcionaria cinco meses ao ano. Assim, o centro vai ser construído junto ao Museu da Cidade [no Palácio Ducal] e o espetáculo multimédia previsto vai ter isso em conta, ao apresentar a história de Trancoso. O projeto estará concluído até final de setembro, já a obra – se abrir a segunda fase da Comurbeiras ou do QREN – vai ser candidatada nessa altura. É um empreendimento diferenciador para a atratividade de Trancoso, juntamente com o Centro de Interpretação da Cultura Judaica e do castelo e permitirá fechar o ciclo dos equipamentos essenciais para sermos atrativos do ponto de vista turístico.

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