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«Trancoso já tem massa crítica empresarial para dividir por mais do que uma feira»

Júlio Salmento, presidente da Câmara de Trancoso, a propósito de mais uma edição da Feira de São Bartolomeu

P – Qual é a importância da Feira de São Bartolomeu na dinâmica económica do concelho de Trancoso?

R – A Feira de São Bartolomeu já é hoje uma das várias iniciativas empresariais que a AENEBEIRA, em conjunto com o município, faz para dinamizar a atividade produtiva. Gostamos sempre de enfatizar que, na estratégia de desenvolvimento que temos para o concelho, a vertente da dinamização da atividade económica, produtiva, das feiras e dos mercados é um dos vetores estratégicos mais sentidos. Se olhar para trás, há 27 anos, quando comecei as minhas funções autárquicas em Trancoso, a Feira tinha praticamente desaparecido e resumia-se a uma sexta-feira e sábado com um programa lúdico no Parque Municipal que já se chamava Festas da Vila. Fizemos todo um caminho para modernizar as infraestruturas e ter um novo modelo de Feira, procurando ter no mesmo espaço as componentes empresarial, agrícola, lúdica, espetáculos, gastronomia e artesanato. E conseguimos montar uma Feira que tem atratividade para todas as gerações e para as pessoas que buscam o que há num evento do género. Este modelo está hoje perfeitamente estabilizado e a Feira de São Bartolomeu é uma das poucas que mantém ainda vitalidade económica e continua a ser uma das grandes feiras francas do país. Contrariamente ao ambiente económico que hoje vivemos em Portugal, este ano temos mais procura do que oferta de espaços expositores e mais gente do que tivemos no ano passado, o que é um sinal que temos que ver muito positivamente.

P – Enquanto autarca sente-se satisfeito por haver esse aumento da procura neste contexto de crise?

R – Sem dúvida. Hoje verificam-se dois fenómenos. No início, nesta feira de agosto tínhamos praticamente tudo o que era atividade económica da região e de Trancoso. Hoje, já há expositores que vêm à Feira do Fumeiro e já não vêm a esta. Temos já massa crítica empresarial para dividir por mais do que uma feira.

P – O presidente da AENEBEIRA disse recentemente numa entrevista a O INTERIOR que o esforço financeiro que a associação vai fazer para esta edição é irrepetível no futuro. No próximo ano, se a Câmara de Trancoso não puder ser um parceiro mais ativo, será que está em risco este modelo do evento?

R – Do meu ponto de vista não estará porque o custo da Feira se paga pela receita de compra dos espaços. A única coisa que fica de fora é a animação e os espetáculos. Apesar de tudo, essa componente tem ainda um terço de receita mínima do ponto de vista da venda de bilhetes. Há depois dois terços que não são financiados. Este ano optámos por um programa em que poupámos cerca de 50 por cento, é um cartaz para a crise e para o momento porque poderia ser de mau tom termos um programa forte num contexto em que as pessoas têm dificuldades e em que há desemprego. Isto não põe em causa o modelo da feira de São Bartolomeu, que está institucionalizada e para o ano vai ter a mesma dimensão.

P – A Feira do próximo ano será a sua última enquanto presidente da Câmara de Trancoso. Vai propor alguma alteração à organização?

R – Não haverá despedida porque sempre disse que os meus contratos eram a termo certo de quatro em quatro anos. Seria de mau tom que o próximo ano fosse de bandeira em temos dos espetáculos, não era entendível. Pode acontecer que a atividade económica em Portugal o permita e até que a Câmara de Trancoso ou a AENEBEIRA obtenham algum financiamento comunitário como já teve em tempos para introduzirmos melhorias no programa. Mas não será porque há eleições ou por causa da despedia do presidente da Câmara.

P – Já pensou qual será o melhor nome para o substituir na lista do PSD à Câmara de Trancoso?

R – Já, mas ainda não posso divulgá-lo.

P – Que radiografia faz ao concelho do ponto de vista turístico e até que ponto é possível continuar a promover Trancoso?

R – Trancoso tem hoje criadas praticamente todas as condições para ser atrativo enquanto produto turístico vendável com relativo sucesso. Neste momento, para concluir esta estratégia, falta-nos apenas o Museu da Cidade no Palácio Ducal. O projeto está em curso e estou convencido que poderemos pô-lo em marcha e esse seria o último equipamento para culminar a estratégia de desenvolvimento turístico de Trancoso. De qualquer forma, temos vindo a registar no posto de turismo um crescente número de turistas e nalguns mercados, como o judaico, tem tido um crescimento exponencial. Basta dizer que no ano passado tivemos aqui duas mil dormidas de judeus israelitas, sendo que o mercado americano e do Brasil está agora a despontar em força. Estou convencido que o Centro de Interpretação Judaico, com a configuração que tem e a reconstituição de uma sinagoga no interior, vai fazer de Trancoso a referência do turismo judaico em Portugal. É para aí que caminhamos, mas isso vai também potenciar outro tipo de turismo. De resto, no contexto da Raia Histórica e da Pró-Raia temos estado a gerir com relativo sucesso a loja de Salamanca, que também é um instrumento importante para a promoção do turismo do interior. Vamos agora abrir também uma loja no cais de Gaia e outra em Oeiras, sendo que no final do ano teremos três âncoras de promoção. Estamos convencidos que vamos conseguir que o turismo seja também uma alavanca da dinamização da atividade económica em Trancoso.

P -A extinção do Pólo de Turismo da Serra da Estrela pode prejudicar essa estratégia?

R – Penso que poderemos substituir o Pólo de Turismo da Serra da Estrela através de duas novas entidades. A Rede de Judiarias que, de alguma forma, vem retomar um conjunto de projetos que o Pólo de Turismo tinha, e depois a colaboração institucional entre a Pró-Raia e a Raia Histórica enquanto promotoras de um produto turístico. O Pólo já não estava com autonomia para poder fazer promoção no exterior, que era uma competência da AICEP, mas estou convencido que o potencial de afirmação da região não ficará diminuída com a Rede de Judiarias e a colaboração entre a Pró-Raia e a Raia Histórica. Acho que conseguiremos afinar um produto de turismo específico aqui. De resto, sempre fui muito crítico do centralismo em Coimbra e da região Centro, pois pouco ou nada poderemos esperar para o interior do país. E já transmiti esta opinião à secretária de Estado do Turismo.

P – As parcerias público-privadas são um “cancro” na gestão de Júlio Sarmento ou uma forma inteligente de conseguir que o concelho se equipasse?

R – É preciso esclarecer que só temos uma parceria público-privada e essa foi a maneira de irmos buscar financiamento bancário de 8,5 milhões de euros com uma taxa de juro inferior à que está anunciada para o PAEL e à de um empréstimo que temos com a CGD. A parceria público-privada foi lançada para um conjunto de sete equipamentos quando o QREN estava atrasado. Na altura, mencionámos no concurso que a Câmara podia sempre tirar os equipamentos que entendesse sem que resultasse indemnização para o vencedor do concurso público internacional. Assim, dos sete equipamentos executámos apenas três que nunca poderiam ser financiados pelos fundos comunitários. Fizemos a Central de Camionagem, o Campo da Feira e o Centro Cultural de Vila Franca das Naves.

Retirámos o Museu Judaico, candidatado ao QREN, e o Museu da Cidade, que vamos candidatar ao QREN, tendo-se desistido do Museu do Tempo porque não havia condições financeiras para o fazer. Nos 8,5 milhões em causa há uma componente de transferência para a autarquia através da cedência dos direitos de superfície e a Câmara foi buscar cerca de 500 mil euros do Campo da Feira e dos outros terrenos, o que deu um total de quase um milhão de euros. Os 8,5 milhões estão contratados a uma taxa de juro que ronda os 2,5 por cento e esta parceria permitiu ir “buscar” dinheiro à CGD à taxa referida.

P – Mas isto não é um prejuízo para Câmara…

R – Na minha opinião, salvaguardámos o interesse público, primeiro porque reduzimos a parceria a um volume financeiro razoável. Depois porque o custo desta operação de amortização de juros tem uma taxa baixa. Basta dizer que pagamos anualmente de amortização e juros desta parceria cerca de 800 mil euros, sendo certo que todos os anos transferimos para a empresa municipal cerca de 1,2 milhões. Por isso, o esforço financeiro da Câmara com a parceria, que é de 25 anos, está consolidado e é perfeitamente suportável. A autarquia podia ter ido à CGD buscar dinheiro para fazer aquelas obras se tivesse condições, que não tinha, mas optou por fazê-las através de um privado e de uma sociedade.

P – Já a empresa Águas da Teja parece ser um caso de sucesso. Quanto recebe a Câmara de Trancoso de renda anual?

R – Essa renda é de cerca de 300 mil euros por ano. O nosso sistema de águas é rentável. Houve uma verba que foi paga após o concurso e depois há uma renda pela concessão. Se compararmos o custo da nossa parceria público-privada, que anda nos 800 mil euros por ano, com o que os outros municípios do distrito pagam só para comprar a água em alta à Águas do Zêzere e Côa, que varia entre 1,2 milhões e 1,4 milhões, parece-nos que esta opção foi acertada.

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