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Touros esquivos empobreceram festival de capeia raiana

Praça de Aldeia da Ponte esgotada para a edição deste ano da iniciativa “Ó Forcão, Rapazes!”

Numa tarde solarenta e quente, correram-se os touros, houve sorte e uma das mais emblemáticas tradições raianas saiu aclamada pela porta grande da praça de touros de Aldeia da Ponte, no concelho do Sabugal. O festival “Ó Forcão, Rapazes!”, que decorreu no último sábado, ganhou galões de campeonato do mundo há um ano atrás e voltou a fazer jus à categoria. Ozendo, Foios, Forcalhos, Aldeia Velha, Lageosa da Raia, Aldeia do Bispo, Aldeia da Ponte e Soito mediram forças e arte em lidar os recalcitrantes touros da ganadaria Rodolfo André Proença, de Portalegre. Mesmo assim, a raia reencontrou-se neste mundo à parte.

Como vem sendo habitual, a praça foi pequena demais para acolher os milhares de “aficionados”, que ocuparam cada centímetro das bancadas deste santuário taurino, palco anual de um ritual telúrico, quase tribal, onde a honra de cada aldeia, que veste cores garridas, depende da sorte de uma lide confiada à força dos braços e à sincronização de cerca de 30 homens no forcão. Um festival com razão de ser, durante o qual sobressaem os atributo de cada localidade. Por exemplo, os representantes dos Foios são famosos “citadores”, enquanto os de Aldeia do Bispo são mestres na arte de construir o engenho que há-de aguentar as investidas do touro e os de Aldeia Velha pegam como ninguém ao forcão. Obviamente que estas qualidades só são confirmadas após a variável touro entrar em cena, um pormenor que não é de somenos importância, que o digam os elementos dos Forcalhos, a quem calhou um touro nada cooperante e mais dado às barreiras. O resultado foi uma lide difícil, não mais de três investidas, e uma assobiadela geral. No meio da desgraça de touros arredios e dados a longas corridas longe do forcão, salvaram-se as actuações do Ozendo, cujos homens foram literalmente buscar o animal, autor de uma primeira investida por baixo da galha, às barreiras.

Os Foios, por sua vez, decidiram introduzir uma aliciante e convidaram os melhores lidadores das restantes aldeias para citar o touro, porque a tourada é «demasiado monótona depois de pousado o forcão». A assistência gostou da ideia e até um jovem de câmara de filmar em punho por lá andou a lidar o boi. Os homens dos Foios tiveram sorte e conseguiram boas investidas ao forcão daquele que foi considerado um dos melhores touros da prova. Vieram então os Forcalhos, que quiseram o animal só para eles, «assim é que deve ser», garante um espectador mais tradicionalista. De pouco lhes valeu, pois coube-lhes em sorte um touro mais propício às barreiras. «Este gosta mais de festas», ironiza o vizinho, que não se coíbe de dar umas valentes palmadas no lombo à passagem do boi. A Aldeia Velha calhou outro exemplar esquivo e corredor, que não terá feito mais de cinco investidas ao forcão. O animal acabou por ser pegado na lide a pé, para gáudio dos presentes. Já a Lageosa da Raia surgiu na arena com 33 homens a pegar ao forcão, mais três do que o tradicional, uma massa humana que se revelou demasiado poderosa para outro touro fugidio. De resto, esta edição ficou marcada por animais muito corredores e pouco ou nada interessados no forcão, empobrecendo o espectáculo desta arte, que vive de força e valentia.

O desespero estava a tomar conta dos espectadores quando um jovem surpreendeu tudo e todos ao realizar um salto mortal sobre um dos touros. O momento foi tão rápido e inesperado, que grande parte do público só teve tempo de aplaudir a façanha. O festival “Ó Forcão, Rapazes” é uma tradição com quase 18 anos, que começou por ser um concurso a doer mas foi transformado em festival para evitar a pancadaria e a controvérsia finais, que se tornaram um hábito demasiado recorrente a certa altura. Uma coisa é certa, a edição do próximo ano já começou a ser preparada.

Luís Martins

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