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Tome o comprimido que isso passa!

Caro leitor:

Vivemos numa sociedade de consumo onde o “comprimido” passou a funcionar como a solução mágica para todas as preocupações. Esta pequena dosagem externa, multicolor com contra-indicações apresentadas propositadamente em letras bem miudinhas, aparece nos dias de hoje quer na sua forma tradicional quer em variantes monetárias ou publicitárias enganosas como contendo a cura para todos os males. Assim surgem uns em forma de subsídio, outros como a formação de um futuro glorioso, outros em formato de quatro paredes, outros do tipo kit + sala + chuto, ou ainda na sua forma digerível, mas todos eles apregoando a cura imediata.

Estamos tão viciados neste ciclo que ao mínimo problema, o “comprimido” (seja ele de que tipo for), é a solução ou a cura imediata. O prazer instantâneo que este proporciona tornou-se mais importante que a felicidade construída sobre pilares sólidos e o “fica para amanhã” ou “logo se vê” tornou-se numa constante.

A tristeza deu lugar á depressão. Já não há lugar para tristezas. Ninguém está triste, porque se está triste é porque algo o preocupa e se o preocupa é porque ainda não encontrou uma solução. A depressão por seu lado não encontra soluções, vive embriagada entre substâncias externas que têm como objectivo levar-nos a “não pensar”. Por isso se pensa, tome um comprimido que isso passa!

A nossa sociedade e as suas diversas ramificações funcionam como um comboio e os seus carris e cada um de nós como uma estação. Quando o comboio ou o motor das nossas vivências realiza apenas um percurso com medo de descarrilar este desgasta-se, torna-se enfadonho, deprimente e o espaço entre estações parece que se afasta. Cada uma das estações vira-se então para si, para o seu interior, para o que tem e que pode vir a ter se “tomar um comprimido” e estas deixam de funcionar como um todo com as suas diferenças e particularidades.

O comprimido passou a funcionar como a solução mágica para nem sequer pensarmos na tristeza de estarmos sós ou tomarmos a iniciativa de realizar pequenas mudanças.

A depressão constante a que nos habituamos retira-nos conteúdo, envelhece-nos. Passamos a viver em parceria com convulsões, angustiados com a falta de controlo sobre tudo o que nos rodeia e afecta directamente. Passamos a ser tratados como meros seres ignorantes e de pouca utilidade que dependem de pequenos nadas.

A depressão cheira a mofo, a sociedade está deprimida. As ideias não fluem, as soluções atrasam-se e poucas avançam.

De que estamos à espera? Até onde queremos chegar?

Estamos numa época de festividades, de dizer adeus ao ano velho e olhar o novo com esperança.

Aproveitemos a áurea positiva e, mesmo que isso dependa de um esforço da nossa imaginação como quando somos crianças e acreditamos nas nossas fantasias, acreditemos que não estamos deprimidos. Talvez assim consigamos aperceber-nos de que o problema só existe de si para si, num enredo kafkiano, num labirinto sem saída, até que toque o despertador… e afinal descobrimos que só estávamos a dormir um sono muito profundo, do qual queremos despertar.

Feliz Natal e bom Ano Novo.

Por: Carla Madeira

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