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Tolerância Zero para Polanski

O cinema colocou-se ao lado de Polanski, reclamando pela sua liberdade. Na petição assinada por 138 cineastas – Woody Allen, Pedro Almodovar, Martin Scorsese,… – fica a impressão que foi detido pelas suas ideias. Ninguém recorda a origem da detenção, a violação em 1977 de uma jovem de 13 anos depois de a ter drogado, culpa que reconheceu perante o juiz, ainda que depois tenha fugido antes da sentença.

É verdade que o castigo perde efectividade e sentido pois o tempo tem uma influência decisiva na vida de um homem, por isso o castigo tem um valor exemplar no momento, mas não passados 32 anos. E mais se a vítima perdoou e não se quer ver envolvida de novo em trâmites judiciais. Há bons motivos para encerrar o caso.

Os assinantes manifestam o seu “repúdio” e consideram um “erro policial” que o cineasta tenha sido detido quando participava no Festival de Zurich. Como se a execução de uma ordem emitida por um juiz fosse um erro policial. Dá impressão que o que estava em jogo era a liberdade de expressão, ao afirmarem que “os festivais de cinema no mundo inteiro permitiram sempre a livre circulação dos cineastas”. Mas Polanski não foi detido por nada relacionado com a 7ª arte.

Como supremo argumento os colegas afirmam que Polanski é “um artista de renome” que hoje em dia se vê ameaçado da privação de liberdade. Tudo isto demonstra a vaidade de um elitismo irresponsável, em virtude do qual a um artista não se pode aplicar os mesmos critérios jurídicos que ao mais comum dos mortais.

Se tivessem sido aplicados, Polanski já teria sido detido há muitos anos. Por isso, em vez de se perguntar porque só agora, há que perguntar porque razão o governo de França – onde reside – não fez nada. Ser um reputado realizador justifica um indulto sem quaisquer consequências?

Imaginemos que tivesse sido um padre ou um bispo, para ficarmos ao mesmo nível. Quando estalou o escândalo dos abusos sexuais cometidos por sacerdotes, a maioria dos casos tinham acontecido nos anos 70, na mesma época de Polanski, com adolescentes de idade similar à vítima do cineasta. Mas nessa ocasião ninguém disse que era “uma história antiga”, como chegou a ser afirmado. Pelo contrário, houve satisfação pelo facto de os culpados pagarem pelo seu delito.

Se fosse um padre ninguém o teria desculpado com argumentos do género de já ter obtido o perdão da vítima. Nem se teria desvalorizado o facto qualificando-o como “erro de juventude” (44 anos!).

Se se tratasse de um padre o silêncio da Igreja ter-se-ia interpretado como um sinal de querer esconder em vez de se preocupar pela vítima. Mas se a própria França fecha os olhos durante 32 nos, é sinal de que é uma tradicional terra de bom acolhimento.

Enfim, soltando a imaginação, pensemos o que se teria dito se 138 padres assinassem uma carta de apoio, aduzindo que é inconcebível que se pretenda julgar um “clérigo de renome”. O escândalo seria tal que estimularia o engenho de algum cineasta para fazer um filme sobre o caso.

Carlos Tavares, carta recebida por e-mail

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