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TMG (algumas considerações formais)

Opinião

A cidade da Guarda ganhou mais do que um novo espaço, a nova Sala de Espectáculos (TMG) é um equipamento imprescindível para impulsionar uma dinâmica urbana que se pretende acesa e deixar marca e dinâmica no contexto cultural do território nacional.

Goste-se ou não da localização, dos acessos, da envolvente, da arquitectura dos edifícios, das cores, dos materiais, das formas, o TMG é já uma realidade, à dimensão e escala da cidade.

A área disponibilizada para a implantação do TMG, limite antigo da cidade, constitui um espaço integrado no tecido urbano, ainda que, actualmente limitado irá potencialmente beneficiar aquando da mudança prevista das instalações da GNR, não se sabendo quando…

O importante é que o poder político seja capaz de provocar esta mudança para que possamos integrar os novos edifícios e espaços envolventes no espaço público da cidade de um modo mais intenso e claro corrigindo a pouca visibilidade que os edifícios têm actualmente. Um caminho a seguir que se torna urgente…

A forma de organização encontrada para os edifícios fez corresponder a cada unidade orgânica um determinado espaço exterior, reinventando a cumplicidade dos vários edifícios e espaços exteriores, no sentido destes poderem vir a ser integrados nos espaços confinantes/adjacentes futuros, face a uma realidade urbana transitória. Com o desaparecimento do quartel, e numa nova estruturação do espaço urbano deverá enquadrar/relacionar o alargamento da plataforma a nascente do edifício de auditórios.

A solução funcional de “resposta” foi equacionada, confrontando o “programa” previsto com a vivência e permanências do sítio, seguindo as seguintes linhas orientadoras na definição das partes constituintes do conjunto do edifício:

1)Requalificação dos espaços existentes como elementos virtuais de articulação e diálogo com os novos espaços e edifícios;

2)O programa proposto desmaterializa-se em dois corpos de edifícios como meio dinâmico de refazer o sítio e introduzir uma ambivalência, tanto a nível funcional, espacial, vivencial e arquitectónico.

O declive do terreno, a paisagem como elemento cénico e os edifícios contíguos do antigo Convento, foram os elementos preexistentes ordenadores para obter a espessura de um novo prolongamento urbano.

A organização/localização dos edifícios assenta numa “base” comum com os edifícios próximos, de modo a legitimar o espaço entre eles numa utilização futura comum, pretexto que serve para consolidar a ideia de um espaço exterior (hall exterior da Sala de Espectáculos) mais ligante, menos fragmentado, viabilizando hipóteses de utilização diversa.

Procurou-se a materialização de uma arquitectura capaz de se afirmar na cidade do ponto de vista da sua presença e legibilidade, embora no modo como se relaciona com a envolvente pretenda impor um relacionamento de integração. A leitura de uma “arquitectura simples”, que num primeiro impacto sugere a ideia de dois corpos diferenciados, é nos materiais de revestimento que essa expressão acentua diferentes campos cénicos. Pretendeu-se uma complexidade de volumes puros e simples, no relacionamento da sua condição com a cidade, no modo como exprime essa relação, na sua estrutura formal e volumétrica do todo e das partes que o definem. De modo intencional pretendeu-se não iludir a sua presença física da sua condição de “parte de cidade” e objecto.

O carácter de contextualização da solução proposta não é visível de um modo aparente, não partiu do lugar como fórmula, mas do que se intuiu acerca da sua ordem – no seu contexto, ou seja, a vontade de revelar a sua especificidade, surge como ponto de partida para vincular o projecto a partir do seu próprio conteúdo.

Simultaneamente, vai-se construindo um cenário específico da nova realidade urbana, através da organização programática e funcional na expressão da linguagem encontrada.

Pretendeu-se que o(s) edifício(s) fosse(m) a expressão formal de continuidade do tecido urbano, apoiando-se nas solicitações do conjunto volumétrico próximo. O quase mimetismo das formas volumétricas propostas em relação à envolvente próxima contrasta com a linguagem monolítica e esculpida dos “objectos” propostos, preocupando-se por expressar um singular carácter intrínseco, o fundamento existencial, dado o seu papel de objecto de referência cénica no contexto específico da cidade da Guarda.

O projecto aproveita a variação de materiais e texturas (imagem) para encontrar na sua arquitectura a mobilidade cénica o seu próprio limite como lógica de organização espacial em relação com a envolvente. A “comunicação” no sentido de mobilidade, é produzida e desenhada num sentido mais amplo ao do limite físico do edifício, pretendendo-se uma continuidade entre espaços de circulação e estáticos.

Os edifícios da nova Sala de Espectáculos são constituídos por dois volumes significativos, dos quais se destacam através de dois materiais de revestimento o GRC (betão com fibra de vidro) e o vidro. Pretendeu-se uma composição de dois elementos que elimina uma única massa construída. Cada corpo é acentuado pela geometria de planos e texturas, em subtil tridimensionalidade, fabricando, por isso, a materialização da integridade do conjunto, como expressão de suporte, e ao mesmo tempo como elemento de composição plástica. Demos mais importância aos materiais e suas texturas que à variação da forma dos edifícios tornando mais abstracta e figurativa a imagem do conjunto de edifícios apelando a um sentido cénico.

O equilíbrio plástico entre os elementos arquitectónicos e entre as unidades orgânicas componentes do(s) edifício(s), fez optar por propósitos de simplificação formal e racionalidade da linguagem construtiva.

Pretendeu-se criar neste contexto uma ideia de conjunto em que o(s) edifício(s) legitimassem a dependência do lugar, mas reproduzindo uma imagem que traduzisse a sua autonomia intrínseca. Esta opção formal produz a partir dos edifícios, espaços cénicos que obriga o espectador a um comportamento inter-relacional à volta deles e entre eles.

Chegámos ao fim com a consciência que foi um projecto intenso, complexo, único, ainda desgastante, que nos deu prazer pensar, precisamos que agora adquira a sua própria autonomia.

Por: Carlos Veloso *

* Arquitecto, Coordenador da Equipa Técnica do Projecto do TMG

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