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“The Philadelphia Story”

Opinião – Ovo de Colombo

Quem não se lembra – ou, pelo menos, ouviu falar – do icónico “Janela Indiscreta” (1954), de Alfred Hitchcock? James Stewart protagonizou, juntamente com Grace Kelly, aquele que ainda hoje se mantém como um dos grandes clássicos hitchcockianos. No entanto, no meu primeiro texto pós-Óscares, trago-vos “The Philadelphia Story” (1940), realizado por George Cukor, o único filme que valeu a Stewart o afamado Óscar de melhor ator. Curiosamente, o também protagonista de “Vertigo” (1958) nem sequer foi nomeado por interpretações em filmes de Hitchcock…

“The Philadelphia Story” é uma comédia romântica com a marca de outros tempos, onde James Stewart é um escritor que ganha a vida como jornalista de um tabloide. Em choque com o patrão, Macaulay Connor é enviado com a fotógrafa Elizabeth Imbrie (Ruth Hussey) para casa dos Lord, a fim de fazer a cobertura (escondida) da véspera de casamento de Tracy (Katherine Hepburn). O cúmplice desta missão é o ex-marido dela, que os apresenta, inicialmente, como amigos do irmão, que não conseguirá estar presente nas festividades. No entanto, o caricato C. K. Dexter Haven (Cary Grant) não esconde durante muito tempo a verdade da família que, de forma algo desastrada, diga-se, se tenta apresentar como perfeita à imprensa e, por conseguinte, ao público.

Esta ambivalência entre o que parece ser e o que realmente é proporciona alguns dos diálogos mais interessantes do filme, nomeadamente no que diz respeito à profundidade da personagem de Hepburn, que, afinal, é bem mais insegura do que aparenta. «Acredito que mostras “dureza” para salvar a tua pele», diz-lhe, a certa altura, o jornalista. Tudo em prol de uma história que se vai desenhando com traços desajeitados, mas sem perder de vista o fio condutor: será Tracy uma deusa, como é tratada, ou há um lado humano à espera de se revelar? Seguirá Macaulay os seus ideais ou a necessidade de preencher a carteira?

“The Philadelphia Story” não teria os mesmos moldes caso fosse escrito/filmado nos dias de hoje, é certo. Contudo, podemos retirar deste filme, com mais de 70 anos, tópicos que se mantêm muito presentes na nossa realidade: o papel/ação dos media, nomeadamente os ditos “cor-de-rosa”, ou até onde são capazes de ir e a questão da sensibilidade humana – e do modo como esta se mostra ou se esconde. Há humor, familiar a outros filmes da mesma altura, e humanidade: porque o cinema também pode ser um redescobrir da forma como olhamos e somos olhados ou, ainda, como apreendemos o “outro” à distância. Por sua vez, “The Philadelphia Story” é uma boa oportunidade de rever um elenco verdadeiramente de luxo!

Sara Quelhas*

*Mestre em Estudos Fílmicos e da Imagem pela Universidade de Coimbra

Sobre o autor

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