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Terrorismo

Hic et Nunc

“Para se nascer de novo é preciso primeiro morrer” – assim gritava o muçulmano a bordo do jato AI-420 no momento da explosão. O avião partiu-se a meio, desfez-se em pedacinhos, largando na atmosfera fria, de cinquenta e tantos graus negativos, quase duas centenas de pessoas que aos poucos caíram numa vasta área do canal da Mancha. No meio desta autêntica desgraça, reivindicada posteriormente por separatistas sikh que lutam pela autonomia do Punjab no noroeste da Índia, evocando a providencial proteção divina, Saladim Chakmcha e Gibreel Farisha voam como pássaros e chegam intactos ao solo terrestre. Gibreel cria uma aureola de santo em volta da cabeça, enquanto que ao seu companheiro de aventura lhe nascem pelos horríveis, cornos, cascos e rabo bifurcado, percebendo-se de imediato a luta entre o bem e o mal. Salman Rushdie inicia assim os seus “Versículos Satânicos” onde a forte presença de terroristas acompanham a leitura deste “best-seller”.

O terrorismo está permanentemente presente na vida quotidiana, fazendo parte de uma estratégia política onde o uso da violência, física ou psicológica, assume múltiplas formas. Todos identificamos a ETA, Jihad Islâmica, Sendero Luminoso, Ku Klux Klan, Setembro Negro, Al-Qaeda e a História referencia o Nazismo e as ditaduras, sem esquecer o fanatismo religioso, as cruzadas, os tribunais do santo ofício, etc., etc… Contudo o terrorismo moderno tem outros contornos mais seletivos, bem mais “raffinés” e que passam pela desfaçatez, ordinarice e hipocrisia dos comentadores, dos fazedores de opinião, das historietas dos media, da ordem económica estabelecida, pelo neoliberalismo, nesse domínio constante do capital sobre o trabalho, pelo Banco Mundial, os G8, G20, o FMI, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, verdadeiros terroristas que, com ajuda dos donos do mundo (petróleo, armamento, droga e indústria farmacêutica), desregularam os mercados e lançaram-nos nesta crise de contornos esquisitos e sem resolução à vista, fazendo com que os governos das economias mais fracas da Europa se comportem como verdadeiros braços deste terrorismo reinante, mesmo aqueles que dizem lutar pela justiça e os direitos humanos, pensando constantemente na melhor maneira de tramar os seus concidadãos. Para tanto, basta olhar para este grupelho de pseudo liberalóides, sem qualquer convicção ideológica, que nos (des)governa.

Entrei para a Escola Primária do Bonfim, na cidade da Guarda, no ano letivo de 1962-1963. Na parede estavam colocados ao centro um crucifixo ladeado por Américo Deus Rodrigues Tomás e por António de Oliveira Salazar. Depois da ocupação indiana dos territórios de Goa, Damão e Diu, começa a guerra colonial, intensifica-se o processo de imigração ao ritmo de 50.000/ano, continua a censura, a repressão da Pide na crise académica desse ano. O povo passa fome e os capitalistas aumentam as fortunas. A saúde e a educação, uma miragem. O Estado social outra. Explorar e colonizar. Enfim, era o regime no seu melhor….

50 anos depois….

De colonizadores passámos a colonizados. Entre 30 estados membros da OCDE, somos aquele que regista a maior taxa de abandono escolar. A emigração é incentivada pelos atuais detentores do poder. Somos o país com maior número de pobres e novos pobres de toda a Europa. O salário mínimo e a reforma mínima são os mais mínimos de toda a Europa. Pagamos os combustíveis mais caros. Temos quase um milhão de analfabetos. A diabetes leva a dianteira com 9,7 contra 6,5 da UE. Na tuberculose temos 34 casos por 100 mil habitantes, um valor três vezes superior à média europeia. Segundo a UNAIDS, continuamos com a maior percentagem de casos de sida entre a população toxicodependente. O consumo de drogas aumentou significativamente. 29% dos jovens fumam contra os 27% da média europeia e nas cannabis 8% contra apenas 6% na Europa. O mesmo se passa com o consumo de álcool. Segundo a World Drink Trend, consumimos cerca de 2 milhões de litros por dia. O desemprego teve subida significativa, sendo o mais elevado entre os jovens licenciados, enquanto as fortunas aumentaram no seu conjunto 18%, o equivalente a mais de 10% do PIB. Tentativa de destruir todas as conquistas do 25 de Abril a começar desde logo pelo Estado Social. Assim não admira que Portugal seja o mais desigual entre todas as economias europeias, o que torna o nosso país pioneiro no suicídio com 1.200casos/ano, e que os portugueses (dados da OCDE) sejam aqueles que não estão nada satisfeitos com a vida, tornando-o o povo mais infeliz da Europa.

Deixemos as grandes análises dos discursos de Passos, Gaspar e Paulo Portas e da crise política inevitável que depois das manifestações aí vem, para todos os comentadores desta prestigiada praça. Centremos atenção no essencial. No terrorismo. Isso mesmo. No que presentemente vivemos.

50 anos passaram…

Ano letivo 2012-2013. Escola do Ensino Básico do Bonfim. O crucifixo pode perfeitamente continuar ao centro lembrando as diferenças entre a Concordata de Gonçalves Cerejeira em 1940 e a de Durão Barroso de 2004. Cavaco Silva de um lado. Passos Coelho de outro. Independente do regime ser substancialmente diferente, peço-lhe caro leitor, que descubra as verdadeiras diferenças.

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