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Termidor

1. Um dos mitos mais persistentes numa sociedade pós-industrial é o de “um trabalho para toda a vida”. Por isso, é de aplaudir a proposta de alteração do art. 53º da Constituição, inserida no anteprojecto de revisão do PSD. No texto em vigor, sob a epígrafe “Segurança no emprego”, pode ler-se “ É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.” Ora, na versão proposta pelo PSD, a menção “sem justa causa” seria substituída por “sem razão atendível”. A questão da flexibilização do despedimento já vem de há muito. Em Portugal, é assustadoramente mais fácil obter o divórcio do que ser despedido com “justa causa”. Para um trabalhador “do quadro” ser despedido, é necessário praticamente destruir o seu local de trabalho, matar um dois colegas, ou dar uma sova na Administração inteira, mandando-a para o Hospital com ferimentos graves. E mesmo assim., é duvidoso… Ora, isto é incompatível com modelos de desenvolvimento onde se procura a competitividade, a mobilidade do mercado de trabalho, a rendibilidade do investimento sem que o peso dos factores fixos pese em demasia. E não venham dizer que a flexibilização dos despedimentos abre caminho à liberalização e à precariedade. A liberalização significaria total aleatoriedade do vínculo laboral, agora sujeito às incertezas do acaso. Mas não é essa a regra geral nas relações obrigacionais, nem os princípios basilares do direito laboral permitiriam tal orientação. A questão aqui é a razoabilidade da cessação de um vínculo laboral em situações em que uma das partes já demonstrou não pretender cumprir a sua parte. Impondo a lei uma continuidade forçada e socialmente injusta. Ou seja, é uma legislação rígida como a nossa que incentiva a precariedade, visto que esta nada mais é do que uma reacção defensiva do empregador. Se, por regra, o incumprimento ou a prestação defeituosa de uma obrigação é “justa causa” para a sua resolução, não se vê razão alguma para que, no direito do trabalho, haja exigências inimagináveis para a alegação e vencimento dessa “justa causa”, no caso de despedimento por facto imputável ao trabalhador. Nas situações de despedimento por outros motivos, os requisitos e as formalidades exigidas  estão pensadas para uma realidade pouco menos que virtual. Em Portugal, há cerca de um milhão de pessoas que trabalha em regime de recibos verdes. E muitas mais vêm a precariedade ser a regra do seu dia a dia. Manter artificialmente a inamovibilidade, o carácter vitalício e a impunidade aos felizardos que não têm contratos a prazo é um insulto para os outros.

2. De degrau em degrau, e sem que as fraldas fossem mudadas de tempos em tempos, como lembrou a propósito Eça em “As Farpas”, a política em Portugal foi ficando local de abrigo para gente desclassificada, a tender para a psicopatia, ignorante, boçal, sem princípios, sem qualificações profissionais ou cívicas. As excepções contam-se pelos dedos de uma só mão. Sei bem que lembrar certas coisas às vezes é doloroso para quem é apanhado. A ilustrá-lo, atentemos num exemplo da vida pública mais recente. Lembram-se das promessas dos candidatos apresentados na Guarda pelo PS, nas últimas legislativas? Ou, mais exactamente, do cabeça de lista Francisco Assis? Pois bem, vou recapitular. Em Setembro de 2009, a propósito de uma eventual mexida nas SCUT que servem o distrito, afirmou o candidato em entrevista à Rádio Altitude que “levantaria a voz” contra o fim das mesmas, ainda que “proposto por governo do PS”. Sobre o número dois, José Albano, nada se sabe. Presumindo-se que andasse a fazer contas para saber o timing exacto para saltar da AR para um lugar de nomeação política a la carte. Quanto aos deputados eleitos pelo PSD, Carlos Peixoto e João Prata, devem ter engolido o princípio da universalidade de uma assentada, sem mastigar e fazendo o acto de contrição ao mesmo tempo. A deglutição foi certamente auxiliada por uns bons litros de Água das Pedras e uma caixa de Alka-Seltzer. Pois bem, o ex cabeça de lista e agora líder parlamentar da sua bancada teve também direito a um inusitado momento Chavez! Certamente por descargo de consciência, Assis emitiu uma declaração de voto no final do escrutínio da proposta de alteração ao decreto-lei do Governo sobre portagens nas SCUT. Onde invoca as suas responsabilidades perante o círculo que o elegeu. Um gesto louvável, sem dúvida. Só que inócuo e sem qualquer efeito prático. Semelhante a uma estimável declaração retórica que tresanda a impotência. Onde é que a sua voz se “levantou” contra esta machadada fatal no desenvolvimento do interior? A sua única opção era ter votado contra a proposta. Fossem quais fossem as consequências políticas do acto. Agora, nem mil desculpas farão comover ninguém.

Por: António Godinho Gil

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