Arquivo

Termidor

1. Há 40 anos atrás, a coqueluche dos irrequietos vampiros das causas era o Pol Pot cambojano. Há 30 eram os sandinistas. Há 20, o regime sérvio de Milosevic. Há 10 anos eram os jihadistas. Hoje é o Siryza. A Grécia é o novo parque temático dos “progressitas”. A tradição ainda é o que era. Mesmo assim, com algumas notas inovadoras. A bússola do papão de serviço deslocou-se de continente. Ou seja, se antes o “agressor” eram os EUA, hoje é a Europa, leia-se Alemanha. Nesta história para crianças autistas, tem que haver sempre um papão, vítimas “indefesas”, e vanguardas “iluminadas”. No seu cadeirão da Ivy League, Chomsky superintende e os patetas franceses do costume tecem loas. Sempre pensei que esta esquerda tivesse aprendido alguma coisa, em 90 anos, desde o rodopio dos fabianos em Bloomsbury… George Orwell, um homem bem à frente do seu tempo, percebeu isto muito bem logo na década de 30 do século passado. Sobretudo em “A Estrada para Wigan Pier”, ou “Por que escrevo e outros ensaios”, ele aponta as incongruências e as limitações fatais da esquerda política do seu tempo, criticava asperamente a intelectualidade progressista inglesa, incapaz de sair do ressentimento social e da propaganda, desfasada da realidade. A que se juntam impossíveis opções de classe. Na primeira parte da primeira obra, Orwell traça um retrato rigoroso das condições de vida da classe operária das cidades do norte industrial de Inglaterra. Na segunda parte, aponta as baterias para outro lado, elencando as razões do afastamento da realidade e incompreensão da evolução política e social por parte da esquerda tradicional do seu país. Mutatis mutandis, as armadilhas e os erros que ele aponta são os mesmos que hoje podemos observar.

2. Só quando cessa a arrumação que persistentemente ergui, como um precioso artefacto, para me esconder do mundo. Só quando ponho de lado a cinética da mente. Só quando consigo olhar para as coisas como se fosse a primeira vez e ficar preso no seu encantamento como se fosse a última. Só quando fico suspenso dos gestos pequenos e sem importância, para não cair. Só quando consigo saltar as vedações e esconder-me do sarcasmo. Só aí respiro fundo, porque a minha vida adquiriu a portabilidade plena.

3. Não é errado pensar que as democracias modernas glorificaram três pontos: sorriso, a velocidade e a ocultação. A ocultação faz-se, na maioria das vezes, apagando as palavras que descrevem realidades com que não se sabe lidar. Originando uma norma que dá pelo nome de “politicamente correcto”. Um bom governante, nas democracias modernas, será aquele que, para além de outras qualidades, resiste, com glamour e determinação, à ocultação.

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Leave a Reply