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«Temos que assumir definitivamente que é preciso ir à procura de alunos e empresas»

A palavra de ordem no Instituto Politécnico da Guarda é conter despesa e gerar receitas próprias com a prestação de serviços a empresas. Uma área que está a crescer e que Constantino Rei quer desenvolver ainda mais. Para o presidente do IPG, o futuro está na investigação e na inovação, mas também numa postura «proativa» do Politécnico junto das empresas e dos estudantes.

P – Como está o Politécnico da Guarda neste momento de crise e em que há cada vez menos jovens a ingressarem no ensino superior?

R – Numa perspetiva interna, podemos dizer que está bem e recomenda-se, isto porque está bem dotado do ponto de vista científico e pedagógico com instalações, equipamentos e professores cada vez mais qualificados. Temos capacidades e qualidades para ministrar formação de qualidade. Por outro lado, vivemos, tal como outras instituições, um cenário de crise nacional e internacional que, afetando as famílias, também condiciona os nossos alunos e condiciona-nos no orçamento. O que nos obriga a ser muito contidos nos investimentos e nalgumas apostas que queríamos fazer e não o poderemos.

P – Como perspetiva o próximo ano letivo em termos de procura e de cursos?

R – Não será muito diferente do que foi este ano. A nossa expetativa é que 2012 continuará a ser muito mau para as engenharias, isto porque a imposição de Matemática e Físico-Química como provas de ingresso obrigatórias reduz os candidatos – a taxa de aprovações nestas disciplinas no secundário mostra claramente que o número de alunos aprovados é muito inferior ao número de vagas dos cursos que exigem estas provas. Ou seja, não temos candidatos para todas as vagas. Isto quer dizer que os Politécnicos, em particular os do interior, vão ter muito poucos alunos nas engenharias. Mas penso que outras instituições vão sentir este ano os problemas que o IPG já sentiu, pelo que nós estamos melhor preparados para o choque e já nos adaptámos na expetativa de um ano novamente difícil.

P – Entretanto fez um ajustamento no número de vagas. É esse o contexto de ajustar o IPG à realidade?

R – Claro. Não precisámos de saber a dotação do orçamento para 2013 para tomar algumas medidas de racionalização que nos permitem enfrentar o próximo ano sem grandes choques. Quando decidimos reduzir as vagas dos cursos pós-laborais, isso era um imperativo porque há cada menos recursos e já não temos procura suficiente que justifique a manutenção de um curso em regime diurno e noturno. Isto significa que as nossas despesas com pessoal vão baixar e, eventualmente, poderemos cessar com algumas colaborações a tempo parcial de docentes que estão em acumulação.

P – Como se contorna uma realidade cada vez mais complicada, pois, além do problema financeiro, também há a realidade demográfica? Como é que o Politécnico pode crescer ou manter-se com um nível de ingressos razoável nos próximos anos se já há concelhos, como Almeida, onde só nasceram 17 crianças no ano passado?

P – Temos que ser imaginativos. O problema tem dois níveis. Um primeiro tem a ver com a política nacional, pelo que não depende de nós reverter esta situação. Mas também é necessário reorganizar a oferta formativa porque o problema não é termos instituições a mais, mas sim a oferta excessiva e repetida em várias instituições. Seria preciso haver coragem política para dizer exatamente o que é universitário e o que é politécnico, para se saber se estes se devem ou não especializar. Se o princípio for tudo ficar na mesma, se os Politécnicos e as Universidades só se diferenciarem por os primeiros não poderem fazer doutoramentos, então não vale a pena haver Politécnicos e Universidades. Acabem-se com os primeiros e haverá certamente uma reorganização, uma regulação da oferta e da rede pela via da criação de um sistema único e não binário, como existe atualmente. No entanto, não é essa a orientação do programa do Governo, pelo que se exigem políticas coerentes. O segundo nível é o local e regional, que depende de nós, mas, como disse, temos que ter mais imaginação e também abertura. Sou responsável por o IPG ter começado a lecionar Cursos de Especialização Tecnológica (CET). Na altura, muita gente entendeu isso – alguns ainda hoje – como uma menorização ou desvalorização do ensino superior, eu acho que não é porque o importante é formar pessoas. Isto para dizer que em Almeida, apesar de terem nascido 17 pessoas, vamos abrir lá dois CET. Não vamos formar jovens, mas adultos, pelo que “quem não tem cão, caça com gato”.

P – Defende medidas de discriminação positiva para que as Universidades e Politécnicos do interior possam atrair mais jovens do litoral, considerando que a rede está montada, tem custos e que há menos procura do que no litoral?

R – Isso é uma questão de política de desenvolvimento do país. Se temos os recursos, os laboratórios, as escolas montadas, se o ensino superior é maioritariamente financiado pelo Estado, este tem o direito de dizer como quer utilizar os seus recursos. Portanto, seria de bom tom e até exigível a quem tivesse uma política planeada de desenvolvimento que assumisse a vontade de equilibrar o país. Isto não é dar uma esmola aos pobres, é uma questão de política e de gestão, porque o problema dos Politécnicos, e do IPG em particular, não é de falta de qualidade – em termos de atividade, temos mais qualidade que têm muitas instituições do litoral. Há equipamentos e laboratórios que temos nalgumas áreas que nenhuma universidade do país tem e estamos a fazer prestações de serviços a empresas que ninguém faz em Portugal. Esta é uma realidade, agora é evidente que se não tivermos clientes não vale a pena ter equipamentos nem professores.

P – Além dessa capacidade de gestão, como é que o IPG consegue gerar receitas considerando a região deprimida em que vivemos?

R – Como digo aos professores, isso faz-se trabalhando todos os dias cada vez mais. É termos disponibilidade e capacidade para fazermos sacrifícios, sei que é difícil dizer às pessoas que vão receber cada vez menos e trabalhar cada vez mais, mas é a realidade com que nos vamos confrontar. No entanto, apesar de 2011 já ter sido um ano de crise, o Politécnico da Guarda aumentou em quase dez por cento as receitas próprias decorrentes da prestação de serviços às empresas. E o que temos vindo a fazer é substituir verbas da dotação do Orçamento de Estado por receitas próprias.

P – O IPG tem hoje uma posição mais agressiva no mercado, no sentido de estar mais presente na sociedade. É essa a postura no futuro?

R – É a estratégia, mas também a nossa obrigação porque as instituições de ensino superior existem com a missão de estarem ao serviço da comunidade onde estão inseridas. Portanto, temos que saltar esta barreira de algum isolamento no campus e ser proativos, não ficando à espera que sejam as empresas a vir ter connosco. Temos que assumir definitivamente que é preciso ir à procura de alunos e empresas, demonstrando as potencialidades e vantagens que possam ter em colaborar connosco, e fazer as coisas acontecer. É essa atitude que vai fazer a diferença no futuro.

P – Referiu há pouco que as receitas das prestações de serviços têm aumentado. Há também um conjunto de projetos de investigação realizados no IPG divulgados ao longo deste ano. Algo está a mudar na investigação interna, é esse o caminho?

R – Tem havido mudanças muito significativas. Por exemplo, o “Magic Key”, que se afirmou por si próprio, chegou uma altura em que entendemos que estava nos limites enquanto projeto interno. Já não era possível aumentar a sua dinâmica, pois dependia da boa vontade e do envolvimento de alguns professores e colaboradores. Por isso, desafiámos o professor Luís Figueiredo a criar uma empresa, o que se conseguiu com muita vontade e resistência e hoje os números são suficientemente elucidativos. Nos seis meses de atividade de 2011 a empresa faturou mais de 100 mil euros e recebi há dias a informação que, a meio deste ano, já ultrapassou os 200 mil euros de faturação. É uma empresa, de que o IPG é associado, que criou emprego e certamente criará mais, mas também se incutiu a necessidade das pessoas lutarem pelo seu próprio emprego e isso significa serem proativos e irem para o mercado, inclusive no estrangeiro, à procura de clientes. O resultado é que uma empresa que estava direcionada para um mercado de baixos custos e muito reduzido de pessoas com deficiência terminou o semestre com vendas de 200 mil euros, quantas pequenas e médias empresas não gostariam de ter faturado o mesmo? É o exemplo mais visível da estratégia que pretendemos alargar a outras iniciativas com potencial para seguirem um caminho igual, mas isto são processos lentos. Repare que para chegar a este ponto do “Magic Key” passaram meia dúzia de anos. Mas acho que estamos no caminho correto.

P – Até que ponto fará sentido o IPG funcionar como ninho de empresas para apoiar outras iniciativas de empreendedores, mesmo que não formados na Guarda?

R – O empreendedorismo é daqueles assuntos muito difíceis e que demoram muito tempo a dar frutos. Tem a ver com a mentalidade das pessoas, a aversão ao risco, a apetência pela área, a existência ou não de recursos. Todos nos lamentamos de que na Guarda nunca houve projetos de incubadoras de empresas, o problema é que sempre houve nas nunca nasceram. Contudo, este não é um problema de instalações ou infraestruturas, mas sim das ideias. Basta ir a outros locais, não muito longe daqui, e ver que, embora haja um conjunto de empresas instaladas, a capacidade de instalação é de facto muito superior à taxa de ocupação atual de empresas criadas. Ou seja, se não existirem ideias não adianta ter empresas e essa é um pouco a realidade que sentimos. À nossa dimensão, com os chamados “Policasulos”, um espaço de pré-incubação para que os nossos alunos possam desenvolver as suas ideias sem custos, vemos que é muito difícil arrancar, sobretudo pela falta de projetos com viabilidade. Neste momento, temos ativas três unidades nos “Policasulos”. Portanto, o importante é fazer nascer as ideias e estas surgem da inovação, da investigação e da imaginação. Logo, a aposta tem que ser na dinamização da inovação, da investigação dos professores e dos alunos.

P – A Guarda e a região têm condições para manter o seu Politécnico, tendo em conta a crise, a falta de alunos e o encerramento de empresas?

R – Tem se todos remarmos para o mesmo lado. Se aqueles que ainda acreditam se recusarem a atirar a toalha ao chão e continuarmos a lutar, julgo que temos futuro. Também quero acreditar que depois da tempestade virá a bonança, no entanto, julgo que vai demorar algum tempo para o ensino superior porque, além da redução dos alunos, o problema está sobretudo no elevadíssimo insucesso e abandono escolar no secundário. Se tivéssemos menos 10 por cento de insucesso escolar, provavelmente os politécnicos e as universidades não estariam a queixar-se. Mas, apesar destas dificuldades, há condições para acreditarmos que ainda podemos ter um futuro minimamente risonho. No meu primeiro mandato como diretor da ESTG, o curso de Gestão esteve com zero alunos novos durante dois anos consecutivos, já passaram dez anos e continuamos cá e o curso está ativo. Portanto, não podemos pensar que à primeira adversidade tudo isto se vai desmoronar.

P – Quanto à Politécnica?

R – A Politécnica será importante dependendo das vontades dos dirigentes de cada instituto e das medidas que possam tomar. Esta associação existe há muitos anos e esteve moribunda porque não houve vontades ou condições para se fazerem iniciativas conjuntas. Atualmente, o objetivo é trabalharmos mais em conjunto e isso dará os seus frutos. De resto, já tomamos algumas decisões de caráter administrativo para uma maior racionalização dos recursos humanos. Estamos a promover eventos ao nível da investigação e, em outubro, vamos realizar na Guarda um encontro com os investigadores dos oito Politécnicos da região Centro, o “Match Making Research”, para, eventualmente, dar origem a projetos. Sabemos que há vontade em colaborar na Politécnica, mas que também há algumas dificuldades, nomeadamente na coordenação da oferta formativa. Seria muito importante que a Politécnica se envolvesse, mas é um assunto em que aposto menos face às condições do momento.

P – Antigamente, o IPG era sempre visto como um ninho de conflitos, hoje isso parece ter desaparecido. A que é que se deve essa mudança e até que ponto pode contribuir para o desenvolvimento da investigação de quem cá trabalha?

R – Internamente, todos percebemos que podem coexistir diferenças e opiniões diversas, mas mais importante que isso é a instituição e não os nossos interesses individuais, por mais legítimos que sejam. É uma prova de maturidade do Instituto, o que permite ultrapassar os conflitos internamente de uma forma natural e com isso só ganha a instituição porque se cria tranquilidade para professores, funcionários e alunos. Se calhar, os projetos de que falámos são consequência desse clima.

«No próximo ano será impossível manter a propina nos 900 euros»

P – Até quando será possível ao IPG manter a propina em valores mais acessíveis, tendo em conta que este ano decidiram manter os 900 euros?

R – Decidimos não só não aumentar, como também dar um prémio a alunos que se candidatem em primeira opção para o IPG. Isto significará para alguns uma redução de 10 por cento na propina, o que implica uma quebra de receita, mas gostaria que esta medida tivesse um grande impacto, pois seria a prova que tínhamos mais alunos a candidatarem-se para a Guarda. No futuro, está fora de questão baixar o valor das propinas e esta redução do nosso orçamento torna quase impossível que no próximo ano continuemos a manter a propina no mesmo valor.

P – Sendo certo que a tendência será para haver menos alunos a candidatarem-se ao ensino superior, acredita que as famílias possam optar por os seus filhos ficarem mais próximos de casa devido à crise?

R – Penso que entre o deve e o haver vamos ficar na mesma. Essa opção poderia ser verdade, mas os candidatos já são tão poucos e mesmo que fiquem cá continuam a ser poucos. No ano passado, no distrito da Guarda concorreram para o ensino superior menos alunos que o total de vagas disponibilizadas no IPG e portanto não dependemos das pessoas que vivem cá para crescer, mas sobretudo dos jovens que vêm de outros distritos mais populosos. Nesse sentido, ainda que esse efeito possa existir, provavelmente também existirá o inverso, que quem vem de Aveiro, Viseu ou Bragança opte por ficar na sua região. É verdade que sentimos que alguns alunos estão a regressar à Guarda e acredito que um indicador negativo que tínhamos, que é o facto do IPG ser daqueles que menos alunos capta do próprio distrito onde está implantado – um estudo revela que cerca de 90 por cento dos estudantes do secundário no distrito não colocava o IPG como primeira opção – vai baixar devido à crise. Mas isso é apenas uma percentagem, prefiro números absolutos, interessa-me é saber quantos alunos vão cá ficar.

Orçamento com corte de 5,3 por cento

P – Qual é o orçamento para 2012/2013?

R – Acabo de ser informado pelo secretário de Estado que vamos ter uma redução de 5,3 por cento no orçamento de funcionamento. Além disso, propõem dar-nos um pequeno “bombom” de 200 mil euros para investimento, mas já estou um pouco escaldado porque no ano passado também nos deram e depois não transferiram a verba. Oxalá que o façam desta vez. Será, por isso, um ano novamente difícil, mas também é preciso transmitir alguma confiança, em particular aos professores e funcionários, pois, apesar das dificuldades, conseguiremos atravessar 2013 porque andámos estes anos a ser muito comedidos nas despesas e conseguimos gerar um saldo que nos permite, pelo menos em 2013, fazer face a esta redução.

P – Qual é o valor?

R – São mais de 9,1 milhões de euros, mais 200 mil euros para despesas de investimento.

P – Essa redução vai implicar com certeza alterações na gestão do Instituto. Por onde vai começar?

R – Tudo farei, enquanto for possível, para não entrar na espiral do corte da despesa em que o país entrou porque isso implica também o corte da receita, do financiamento e da atividade. Se calhar, a fórmula mais fácil para um dirigente que não se preocupe muito com a questão é despedir gente. Mas se o fizer, não vou abrir novos cursos e vou fechar um ou dois, portanto, vou reduzir a atividade. Se isso acontecer, no próximo ano tenho menos alunos, logo menos dinheiro. É uma espiral irreversível e daqui a quatro ou cinco anos estaremos muito pior. Eu não quero isso, pelo que continuarei a fazer uma gestão rigorosa, sendo exigente na utilização dos recursos e canalizando-os para o que é de facto indispensável e necessário, mas sem descurar a qualidade do ensino. Por isso, espero que em 2013, mesmo com menos 500 mil euros, o IPG mantenha o mesmo número de alunos, de professores e de funcionários, pelo menos isso.

«Temos que assumir definitivamente que é
        preciso ir à procura de alunos e empresas»

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