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«Temos procurado desenvolver e apoiar a criação de produtos inovadores com urtiga»

Cara a Cara – Manuel Paraíso

P – O que faz a Confraria da Urtiga? Que atividades têm para promover a urtiga?

R – A Confraria da Urtiga é hoje a principal organizadora das Jornadas de Etnobotânica de Fornos de Algodres e do fim-de-semana da Urtiga, iniciativas que vão já nas XI e VIII edições, respetivamente, e que terão lugar este fim-de-semana. Além disso, tem vindo a promover diversos “workshops” com o objetivo de potenciar esta planta nas suas múltiplas utilizações. Foi o caso do papel de urtiga, do sabão, do chorume e mais recentemente do fabrico artesanal de chocolate com recheio de urtiga. Dinamizamos com alguma frequência oficinas, onde ensinamos os participantes a colher, preparar e cozinhar esta planta. No âmbito destas iniciativas designamos já o 1º de Maio, como o dia do TU (Trabalhador da Urtiga) e nessa data reunimos um grupo de confrades e de voluntários, que, de forma muito dedicada, acaba por preparar a quantidade de urtiga suficiente para o Grande Capítulo de cada ano, que ocorre no último dia das Jornadas de Etnobotânica dedicado às Confrarias e que reúne habitualmente mais de duas centenas de comensais. Temos ainda procurado junto de parceiros locais desenvolver e apoiar a criação de produtos inovadores que tenham esta planta na sua composição. Foi o caso da já consagrada Alheira de Urtiga e da mais recente Urtigueira, tal como irá acontecer com outros produtos que em breve estarão no mercado, como a queijada de urtiga e o queijo. Pese embora ainda numa fase muito embrionária, estamos igualmente a explorar a fileira têxtil, tendo já desenvolvido o nosso primeiro fio de urtiga com a colaboração de uma associação de Tondela. Somos também parceiros na dinamização de eventos locais, como o Festival Urere, que junta a música folk à cerveja artesanal de urtiga.

P – Quantos confrades tem atualmente?

R – A Confraria da Urtiga foi criada em maio de 2009, em Fornos de Algodres, no âmbito das IV Jornadas de Etnobotânica e do I Fim-de-Semana da Urtiga. Na nossa primeira cerimónia capitular, apadrinhada pela Confraria de Gastrónomos e Enófilos de Trás-os-Montes e Alto Douro, foram entronizados simbolicamente 13 confrades. Nos capítulos subsequentes fomos mais contidos, pelo que presentemente rondaremos apenas os 38 membros. Por exemplo, no último capítulo apenas foram entronizados dois novos confrades, o Padre António Fontes e a investigadora Ana Rita Carvalho.

P – Acha que as potencialidades da urtiga na gastronomia estão, ainda, por descobrir? Quais são essas potencialidades?

R – Não obstante persistir na memória de muitos apenas este seu caráter urticante, raramente a urtiga é reconhecida no seu verdadeiro valor e utilidade. No entanto, esta planta constituiu-se como alimento de referência em muitos períodos marcantes da história da humanidade. A vulgarização do seu consumo na Península Ibérica poderá atribuir-se, em grande medida, à influência romana, em cuja cultura se inscrevem receitas muito antigas, como a Patina Urticatum de Apicius. Em território nacional, como na maior parte dos países europeus, o seu consumo está, incontornavelmente, associado a épocas de fome durante as quais era vulgarmente consumida na forma de uma sopa muito rudimentar. Os levantamentos efetuados na região de Fornos de Algodres registam o seu consumo há muitas décadas, com um pico de utilização, sobretudo no decorrer do período de racionamento alimentar que coincidiu com a IIª Grande Guerra. Embora o recurso a esta planta evidencie um efetivo conhecimento empírico do seu potencial nutritivo, o seu consumo nunca viria a afirmar-se nas grandes mesas, persistindo, até aos dias de hoje, num registo mais marginal. Assim, e ainda que com várias alterações introduzidas ao longo dos anos por várias gerações, com necessidades distintas, a sopa de urtigas é agora um prato de referência local. A confraria acabaria por ter um papel importantíssimo na recuperação de um alimento que consideramos o alimento funcional por excelência , tantas vezes menosprezado e remetido para um plano gastronómico secundário, mas cujas virtudes nutritivas – é duas vezes mais rica em ferro que os espinafres e contém uma quantidade de vitamina C seis vezes superior à da laranja – impunham a reconstrução da sua imagem na cozinha e na sociedade. A urtiga é também uma planta muito versátil na culinária, com muitas potencialidades de aplicação, quer em pratos de carne e/ou peixe, como e sobretudo em pratos de caça e, muito surpreendentemente, nas sobremesas onde pode ser explorado todo o seu enorme potencial verde.

P – Qual foi o prato mais surpreendente que provou à base de urtiga?

R – É difícil destacar um prato de todo este potencial e manancial que ela já nos trouxe. No entanto, a Sopa de Urtigas à Moda da Confraria, que foi premiada como a melhor sopa numa das últimas edições do Festival de Sopas da Serra da Estrela, é sempre um prato que merece grandes elogios por parte de quem a prova pela primeira vez. Ultimamente a aplicação mais ousada e conseguida foi mesmo nuns bombons de chocolate com recheio de urtiga.

P – Acha que, neste momento, a urtiga está muito divulgada?

R – A dinamização deste conjunto de eventos e iniciativas, bem como o surgimento de alguns produtos locais inovadores, acabam incontornavelmente por divulgar a urtiga e também Fornos de Algodres como “Capital da Urtiga”. Ora, é um epíteto com um enorme potencial que necessita de continuar a ser trabalhado, mas que começa já a promover um território específico de forma diferenciada, tanto no plano nacional, como internacional. E nessa medida, a Confraria, além de várias presenças em eventos nacionais, foi já convidada a participar em iniciativas internacionais, como o Orties Folies, nos Jardins do Palácio de Versailles e, no final de 2015, nas primeiras Jornadas dedicadas à Urtiga na vila galega de Ortigueira, bem como outras que se encontram ainda em fase de preparação na Bélgica. Por tudo isto conclui-se que Fornos de Algodres, sem querer retirar o devido mérito e importância local a outros produtos que fazem parte da nossa identidade, como o queijo Serra da Estrela, começa cada vez mais a ter alguma notoriedade e a projetar o seu nome através desta planta. Contudo, há ainda muito a fazer e muitos agentes a envolver.

Perfil:

Confraria da Urtiga

Profissão: Técnico Superior de Reinserção Social

Idade: 49 anos

Naturalidade: Juncais (Fornos de Algodres)

Currículo: Licenciatura em Serviço Social

Livro preferido: “Por quem os sinos dobram”

Filme preferido: “Ben Hur”

Hobbies: Viajar, estudar plantas e cogumelos, artes plásticas

Manuel Paraíso

Sobre o autor

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