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Telanovela Volume 2

Corta!

«E ela sabe que a filha ainda está viva?». Terminava assim o primeiro volume de «Kill Bill». Estilo telenoveleiro, em registo sul-americano, com algum mau-gosto à mistura como convém nestas questões de quem, sem esforço, imprime sempre novos dados à cultura pop mundial. Eis Tarantino no seu melhor. Desculpas pelo erro. Eis Tarantino no seu habitual.

Com o volume dois (que estreia hoje em Portugal) reparamos que «Kill Bill» não é um único filme. Nem dois. A diferença de registos é abismal, mas já vem do anterior volume. Divididos em capítulos, cada volume encerra em si uma grande variedade de estilos. Como se cada um desses capítulos fosse um filme por si só. Reflexos da esquizofrenia do seu autor. Mas, pode-se também dizer que, dos dois, há um maior equilíbrio neste segundo volume. Algum sossego depois da tempestade. Mas não se caia no erro de avaliações precipitadas. É de Tarantino que falamos. Quentin Tarantino. O senhor que trouxe um novo fôlego ao cinema há mais de dez anos atrás, e que, passado todo esse tempo, parece uma criança, ainda abismada com tanto brinquedo ao seu dispor. Preparados para continuar viagem?

As referências à pop culture, presença constante nos seus filmes anteriores, e quase desaparecidas no primeiro volume de «Kill Bill», estão de volta, com doses maciças de diálogos e monólogos que mais não fazem que soar a manifestos. As homenagens continuam, com destaque aos filmes rasca de ninjas, com os seus zoom in ultra sónicos, usados aqui, e abusados, até à exaustão. Se há uns anos atrás ninguém gostava, hoje em dia, pela mão de Tarantino, todos vão adorar e pedir por mais. O mau gosto ao poder! A história repete-se, ciclicamente. Calças à boca de sino? Já foi bom, mau, bom novamente e agora já ninguém quer saber disso e jura a pés juntos nunca ter usado (malditas fotos daquele tempo que teimam em não desaparecer). Jovem adolescente que me lês, envergonhado por veres e gravares, para rever até tudo saberes de cor, as telenovelas daquele canal que tem noticiários (?!) de duas horas, não desesperes. Daqui a uns anos, tudo aquilo que agora admiras, sem ninguém te entender (eu incluído), será bem visto. E aí, meu caro, a tua vingança será maior que a da Noiva deste «Kill Bill». Esquece lá o suicídio e organiza mas é essas cassetes que daqui a uns anos valerão imenso.

Repleto de momentos de antologia – o morto a dirigir-se ao café para um copo de água é delirante, assim como todos os momentos com a filha da Noiva – «Kill Bill» não consegue, no entanto, mais para o fim, afastar-se do tal registo telenovela, ou telanovela para quem decida ver o filme no cinema. O encontro familiar, quase final feliz, deixa algumas dúvidas e por momentos quase conseguimos imaginar, no futuro, Tarantino transformar-se em Almodovar, ou algo parecido. Não, não estou a dizer que Almodovar seja mau. Longe disso. Oh!!! Enorme sacrilégio que isso seria. Mas basta um. Tarantino, esse, que não cresça nunca e que se mantenha por muitos anos com a irreverência que sempre nos habituou. As lágrimas e palavras rosa que fiquem para outros.

O terceiro volume parece estar já na calha. Desta vez em animação. Verdade ou não só mais tarde saberemos, mas seria bom que Tarantino conseguisse largar este Bill e se decidisse por matar outra coisa qualquer. Foi bom, foi muito bom, mas chega.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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