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Talvez Trabalhar

Pensava que há em Portugal dois países: o daqueles que dependem do Estado e o daqueles que pagam a conta. Pensava ainda que há uma guerra entre esses dois países, porque o primeiro só pode progredir à custa do segundo. Mudei de ideias hoje, quando descobri que o segundo país se divide entre aqueles que fazem ponte (como fizeram boa parte dos habitantes do primeiro) e os que até no feriado foram obrigados a trabalhar, depois de terem feito o mesmo no Domingo e na segunda-feira.

Há milhares de cidadãos de segunda em Portugal, entre os quais para minha desgraça me incluo, que não têm mais de quinze dias de férias há vários anos, que não gozam pontes, trabalham bem mais de quarenta horas por semana e não têm o direito de ficar doentes. Para além disso, estes infelizes foram-se habituando a suportar sozinhos os riscos da actividade económica: se as coisas não correm bem é o seu rendimento que diminui, não o dos seus empregados, que o salário é intocável; se correm muito mal, são eles que vão à falência e são perseguidos por toda a gente; se correm bem ou muito bem, são tratados como bandidos, exploradores, inimigos de classe e reaccionários.

É contudo desta gente, tratada como se fosse o inimigo, ou ignorada, que está a depender a retoma económica e a criação de empregos. Por muito que queira o Dr. Louça não é o Estado que os cria, a não ser que queira ver aumentar ainda mais o número de funcionários públicos. Ou então fala-se das empresas como se apenas fossem aceitáveis, e só aceitáveis, as “pequenas e médias” – tratando as grandes como se fossem associações criminosas.

Hoje, (terça-feira) no “I”, num artigo sobre a crise económica são publicadas as “criticas e sugestões” de 25 personalidades. Quase todos falam da necessidade de pôr a justiça a funcionar e de reduzir a despesa do Estado, muitos querem recuperar a confiança, outros propõem pactos de regime, outros ainda sugerem medidas que já existem (“incentivos fiscais em novos postos de trabalho” – Pedro Gonçalves). Limitam-se quase todos a repetir lugares comuns e generalidades sem ponta de substância. Medidas concretas? Nem uma, a não ser talvez esta de Ângelo Correia: “aplicar a fundo a questão dos licenciamentos urbanos, industriais e imobiliário” (e isto quer dizer o quê?). Se quisesse sintetizar num os 25 depoimentos, escolhia esta pérola, de P. Rebelo de Sousa: “Uma comunicação clara sobre quais as prioridades estratégicas e os passos que fariam sentido ser dados para obter um acordo de regime com as forças da oposição” (sic). E depois chorava.

Sei que nenhum desses vinte e cinco me vai ler mas eu sugiro-lhes mesmo assim algumas medidas concretas: reduzir o número de feriados de cariz político ou nacionalista para um ou dois, por exemplo o primeiro de Maio e o 10 de Junho; eliminar os feriados religiosos (à excepção do Natal, mas só por causa da família e do bacalhau) e substituí-los por um único feriado panteísta para não discriminar nenhuma religião. Talvez em 21 de Março, por ocasião do equinócio da Primavera. Em qualquer caso haveria que eliminar as pontes, encostando os poucos feriados restantes aos fins-de-semana. Sim, porque a haver alguma saída para a crise esta tem de passar por trabalhar mais.

Por: António Ferreira

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