Arquivo

Tábua de Marés

Para quem tenha visitado recentemente a exposição “Desenhos de Escritores”, que decorreu no CCB e tenha saído um tanto defraudado, como é o meu caso, esta foi uma ocasião soberana para reconsiderar as más impressões aí recolhidas, no que toca à polivalência criativa dos escritores. Com notáveis excepções, claro. Claro que aquela exposição tinha um propósito documental que esta não tem. Sendo apresentada, sem ambiguidades, como parte do acervo artístico de um artista, “por acaso” notabilizado como escritor. O conjunto espanta pela diversidade de meios, materiais e linguagens. Compreende gravuras, desenhos, aguarelas e esculturas em bronze. Num texto notável inserido no catálogo, o autor explica, na primeira pessoa, a convergência entre o desenho e a escrita. Onde afirma, a certa altura: “não é só porque a escrita e a linha figurativa são igualmente gráficas, mas também por razões de plasticização que o desenhar e o escrever existem em recíproca inter-relação”. Antes de se tornar romancista, Grass foi escultor. Aprendiz de entalhador de pedras, dedicou-se também ao estudo das artes gráficas. Mas quiseram as musas que a pena fosse sua principal arma de combate intelectual. Segundo ele, as figuras desenhadas ou esculpidas tomaram forma “em silêncio, à sombra da literatura”. Porém, que cada uma é também uma “obra independente”, sendo a coexistência de literatura, escultura e pintura “completamente natural”. Há ocasiões inclusive em que passou de um campo para outro a meio de uma obra. Ora, percorrendo a exposição, não só pelos motivos, mas pela intensidade, pelos temas escolhidos e pela sua repetição, nota-se a influência do expressionismo alemão na obra de Grass. Sobretudo nos desenhos e em duas aguarelas. Do conjunto, destaco algumas águas-fortes, logo á entrada, as sanguíneas, a litografia retratando a máquina de escrever de (Heinrich) Böll e toda a obra escultórica.

Sobre o autor

Leave a Reply