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Tábua de Marés

“Duques de Bergara unplugged”

Direcção: Sergi Faustino

Interpretação: Mònica Muntaner e David Espinosa

Auditório do Teatro das Beiras, Covilhã, 1 de Novembro, 21h30

Festival Y#6, 2008 (http://www.quartaparede.pt)

Suponhamos que a ideia de performance, no que se refere ao trabalho do actor, signifique a produção de sentidos através de procedimentos técnicos que exijam dele uma condição física específica e um desejo de exposição social. Parto deste conceito de performance, como uma prática teatral que implica uma experiência de vida, cada vez que é aberto o processo de representação. Entendida esta aqui não como uma simples apresentação de um texto frente a um público determinado, mas sim como uma prática colectiva de construção. De uma apresentação cénica que supõe uma ritualidade específica, uma demonstração interactiva. Ausente esse propósito nivelador, será mais apropriado falar, neste espectáculo, de uma instalação teatral. E porquê? São várias as razões: em primeiro lugar, a obra não obedece a nenhum tema central nem pretende transmitir nenhuma mensagem. O que ali se passa pertence ao quotidiano. Por outro lado, trata-se de teatro de texto, mas onde a estrutura narrativa não é linear, mas fragmentária. Quando os dois actores descrevem simultaneamente, de forma obsessiva e pormenorizada, o hall do hotel, não vejo aí um simples jogo, mas um discurso polifónico que cria um efeito de estranheza e de incomunicação. E que apaga qualquer evidência de um sentido por detrás de tanta informação. Porque é precisamente o excesso de sentido o produto mais óbvio de um discurso sôfrego e vácuo, que diariamente é veiculado pelos media. Em terceiro lugar, e como resultado, a peça é sobretudo uma comédia, onde a derrisão triunfa em toda a linha.

Existem neste espectáculo características particulares: o minimalismo cénico, que ressalta do princípio ao fim; por outro lado, aquilo que me pareceu ser uma quota generosa de improvisação, utilizada, a espaços, pelos actores. Que por vezes poderá causar algum gaguejar do ritmo, mas que, no geral, me pareceu ser uma opção convincente do encenador. Todavia, embora próxima da comédia de texto tradicional, não faltará quem aponte a sua frivolidade, ou o seu conservadorismo. Mas é precisamente essa ambiguidade que a torna uma criação tão consistente, sem que seja possível determinar a sua exacta natureza. Onde descubro uma mescla de formalismo com uma intensa poética do vazio, digamos assim. Vazio material pela ausência de cenografia e vazio dramático pela falta de acção e evolução dos personagens.

“Feminine”

Direcção e coreografia: Paulo Ribeiro

Textos de Fernando Pessoa, retirados de “O Livro do Desassossego” e “Ode Marítima”

Música original: Nuno Rebelo

Grande Auditório do TMG, 8 de Novembro, 21h30

Depois da coreografia “Masculine”, estreada em Setembro de 2007, Paulo Ribeiro criou a versão feminina daquela peça, agora apresentada. “Feminine” estreou em Julho no Teatro Viriato. Segundo o autor, o projecto das duas peças continuará até 2009, data em que pretende juntar os dois trabalhos. A peça “Masculine” era constituída por quatro personagens masculinos, que se desdobram em vários outros. Que partilhavam histórias nem sempre bem sucedidas e recuperavam, graças aos textos de Fernando Pessoa, a “monotonia das vidas vulgares”, a rotina como “caminho para a felicidade”.

Ora, esse desenho é recuperado em “Feminine”, claramente o lado B da aventura pessoana do coreógrafo. Que, no entanto, distingue: enquanto em “Masculine” se usaram, segundo ele, “pequenos apontamentos soltos de Fernando Pessoa para dar vazão a uma exuberância de discurso físico e falado”, mostrando um lado “muito lúdico, muito exuberante”, em “Feminine” foi conseguida “uma peça muito mais depurada em termos estéticos”.

No espectáculo, cinco mulheres, interpretadas por quatro bailarinas (Elisabeth Lambeck, Erika Guastamacchia, Leonor Keil, São Castro) e uma actriz (Margarida Gonçalves), dão (o) corpo àquilo que no texto de apresentação é descrito, apropriadamente, como “a poética do movimento feminino”. Uma poética povoada de símbolos marcadamente femininos. Que ora estão presentes na cenografia (o verde alface estonteante do tapete e as torres de iluminação laterais), ora nos figurinos (os saltos altos, os folhos), ora na intensidade verbal, ora numa renovada jovialidade, nas palavras e nos gestos, ora numa disputa acalorada mas inconsequente, ora na cumplicidade quase telepática em relação a temas chave desse universo, como por exemplo os homens, esses pobres insectos atraídos pela luz e que esbarram sempre na janela, como se diz a certa altura… Embora se saiba que é possível atravessar para o outro lado. O desenho coreográfico é umas vezes ritmado pela música, numa selecção heterodoxa de Nuno Rebelo, outras pelas palavras e risos das protagonistas. Mas é pautado, sobretudo, pelos textos do autor da “Mensagem”. Cujo desconcerto e inconformismo vão anunciando e revelando aquilo que, no meu entender, é a marca essencial da obra: um brilho pop envolto numa enorme sensualidade.

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