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Suspensão da Descrença

Até Ângela Merkel gostou da vitória do Siryza. Se este falhar nas suas promessas, e ela tem a certeza de que vai falhar, fica definitivamente resolvida a questão de quem estava certo sobre as políticas de austeridade. É claro que há aqui uma falácia que, nem ela nem muito menos o nosso Coelho, compreenderão: a escolha não tem de ser entre a austeridade punitiva e o perdão da dívida, que há uma gigantesca zona cinzenta entre estes dois extremos.

Da campanha eleitoral do Syriza reteve-se na imprensa sobretudo um conjunto de promessas aparentemente demagógicas – infantis, de acordo com o nosso mentiroso Coelho, especialista na matéria. Talvez sejam, mas havia mais: acabar com a corrupção e com a evasão fiscal, que na Grécia têm uma dimensão catastrófica. Se o Syriza conseguir minorar os efeitos da captura do Estado pelos partidos tradicionais, captura que também nós sofremos, não fará pouco. Tem por isso direito, pelo menos, à suspensão da nossa descrença em relação às suas promessas mais atrevidas.

Há, é claro, a promessa de começar imediatamente a renegociar a dívida grega. Esta é esmagadora e não pode já ser servida. O incumprimento é uma questão de tempo, como todos perceberam já. Só os juros consomem anualmente 5 por cento do PIB e, associados a uma economia destruída, são a garantia de que, por mais resgates e planos de austeridade que venham, não haverá saída para a Grécia. Nem para nós, que pagamos juros ainda mais elevados do que eles. Há portanto que renegociar a dívida, nem que seja em prazos de pagamento ou na taxa de juros que importa. Já o seu perdão, como a esquerda em geral exige, levanta mais dúvidas.

A Grécia deve a Portugal mais de 1100 milhões de euros e o perdão desta dívida implica uma perda para os contribuintes portugueses, a compensar certamente com mais austeridade e mais sacrifícios – em Portugal. Numa sondagem recente, oitenta por cento dos alemães disseram-se contra um perdão da dívida grega e estavam no seu direito. É que os alemães são os maiores credores da Grécia e esse perdão iria afectá-los sobretudo a eles. Há por isso que ter sempre em atenção que as perdas de uns serão o benefício de outros e que, no final e em rigor, cada um deveria pagar o que comeu.

Tsipras acaba de anunciar o aumento do salário mínimo na Grécia para 750 euros. Encantado. Gostava que isso fosse possível também em Portugal. Talvez o seja se nos baixarem os juros e alargarem o prazo de pagamento da nossa dívida, como fizeram à Grécia, se nos perdoarem também a nós uma parte substancial do que nos foi emprestado e se os gregos nos pagarem o que devem.

Por: António Ferreira

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