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Suspeitas por esclarecer no caso dos projectos de Sócrates

Comissão de averiguações da Câmara da Guarda consultou documentos para concluir que não houve tratamento de favor

Os projectos de engenharia assinados por José Sócrates na década de 80 na Guarda não tiveram «tratamento procedimental privilegiado» por parte dos serviços técnicos da Câmara. A conclusão é da comissão interna, nomeada há quase um ano para o efeito, cujo relatório final foi divulgado pela autarquia na semana passada.

Para sustentar esta tese foram comparados os 23 projectos elaborados pelo actual primeiro-ministro, que o jornal “Público” noticiou, e mais 18 processos de obras particulares instruídos nos anos 80, escolhidos aleatoriamente no arquivo do município. «Da análise de ambos os conjuntos não resultarão diferenças assinaláveis quanto aos procedimentos internos dos serviços de obras particulares», lê-se no relatório, a que O INTERIOR teve acesso. A comissão acrescenta ainda que «os técnicos assinalaram, nos processos, as desconformidades com as disposições normativas em vigor», a maior parte das quais foi solucionada posteriormente. Resulta também do documento que as averiguações consistiram apenas na análise de documentos, não tendo sido pedidos esclarecimentos adicionais a ninguém.

Nem que fosse para esclarecer por que é que alguns projectos de Sócrates foram deferidos em apenas dois dias, quando a própria comissão faz questão de notar nas conclusões que «o trabalho desenvolvido por cada técnico era considerável» nos anos 80. Isto tendo em conta «o volume de requerimentos para obras particulares anualmente entrados no município da Guarda e o número de técnicos afectos àquele serviço». A comissão também não quis saber se Sócrates assinou, alegadamente, projectos elaborados por técnicos da Câmara – a chamada “assinatura de favor”, que, por isso, estavam legalmente impedidos de os fazer. O assunto ficou resolvido quando o primeiro-ministro assumiu «publicamente» a autoria dos mesmos, afastando as suspeitas que recaíam sobre Joaquim Valente, presidente do município; Fernando Caldeira, director de departamento; e António Patrício, actualmente em comissão de serviço na Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro.

Com este relatório, a maioria socialista deu o assunto por encerrado. «A comissão é técnica e o relatório também. Quem quer politizar o assunto é o PSD por motivos meramente eleitorais», declarou Virgílio Bento. Com Joaquim Valente no estrangeiro, foi o vice-presidente do município que dirigiu a reunião de Câmara e provocou alguma agitação quando mandou José Guerra ler o relatório em vez de o entregar aos social-democratas. Ana Manso não foi de modos e acusou a maioria de impedir o acesso ao documento. «Tivemos que o exigir para conhecer o seu teor, o que é lamentável», criticou depois, insistindo na necessidade de uma comissão de averiguações «independente». De resto, para a vereadora, o relatório é «muito vago, pois não apresenta conclusões, faz apenas o relato caso a caso de situações que nos parecem não estar esclarecidas».

Tanto assim que a vereadora social-democrata anunciou mais tarde que vai remeter o assunto para o Ministério Público. Quanto à ausência do presidente da autarquia, foi irónica: «É estranha, porque a discussão do relatório poderia ter sido adiada para a próxima reunião», disse.

Luis Martins

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