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Suspeitas de fraude em atestados médicos na colocação de professores chegam à Guarda

Grupo de docentes do distrito exige que o Ministério da Educação avance com um «processo rigoroso de averiguação»

Apesar das listas de colocação de professores dos ensinos básico e secundário terem ficado disponíveis na última terça-feira, a polémica parece estar para continuar na região. Isto porque um grupo de professores do distrito acusa muitos colegas seus de terem, alegadamente, apresentado atestados médicos falsos para conseguirem destacamento por condições específicas, ou seja, para irem para outra escola, alegando doença incapacitante ou para apoio ao cônjuge, ascendentes ou descendentes. Perante esta situação, os professores, que reuniram na quinta-feira da semana passada, não calam a sua revolta e exigem que o Ministério da Educação avance com um «processo rigoroso de averiguação» para pôr cobro às suspeitas.

O grupo de cerca de 50 docentes da Guarda que se reuniu num «movimento espontâneo, liberto de qualquer conotação sindical», como faz questão de frisar Jorge Margarido, um dos professores intervenientes, emitiu um comunicado onde apontam vários exemplos de casos que consideram como um possível prémio à «desonestidade». Assim, na «fugaz consulta» que foi visível na madrugada de 21 deste mês, os «professores colocados no cimo da lista de ordenação definitiva» com, aproximadamente, 30 anos de serviço, desde há muitos anos colocados em escolas da cidade da Guarda, «tinham sido “recambiados” para escolas que distavam 35 quilómetros». Pelo contrário, «professores do fim da lista, com três ou quatro anos de serviço (entre os números 400 e 500)» que «em concursos anteriores nem sequer eram colocados durante a primeira fase (por falta de escola), tinham sido colocados em escolas do concelho da Guarda, ou, quando muito, em Celorico da Beira ou Pinhel, a 10, 15 ou 20 quilómetros de casa», alertam. Uma situação que, de acordo com várias fontes contactadas pelo “O Interior” se mantém nas listas divulgadas na última terça-feira, e que é viabilizada pelo facto de «todos os professores que obtiveram destacamento por condições especificas ou porque têm familiares a cargo ou então têm alguma doença» terem sido «colocados à frente dos professores do quadro de zona pedagógica (QZP)», critica Jorge Margarido. Da mesma forma, «tem o mesmo tratamento, tanto o professor que alegue e comprove ser portador de uma das doenças incapacitantes» como aquele que «alegue a impossibilidade de conduzir pelos afrontamentos provocados por um furúnculo na nádega esquerda», ironizam os professores. Esta é uma situação «injusta para aqueles que verdadeiramente padecem e que almejaram o seu destacamento por condições específicas porque a ele têm direito, mas é, de igual modo, injusto para quem se vê ultrapassado na lista por pessoas que, de forma inefável, desonesta, se declaram doentes sem o serem», avisam.

Professores com atestados falsos poderão ser substituídos

Margarido, que no último ano leccionou em Manteigas, não tem assim dúvidas de que se está perante uma «atitude desonesta por parte de alguns professores». Outro professor, que preferiu não ser identificado, lançou outra crítica: «De repente 80 por cento dos professores fica doente? Encontraram foi aí uma forma de contornar o concurso», adverte. Segundo este docente, consta-se que «cerca de 300 professores» num universo de 450 tenham apresentado atestado, o que «desvirtua por completo o próprio concurso de afectação». Na altura do protesto, os professores queriam que fosse feito um «inquérito rigoroso antes das listas de colocação serem divulgadas».

A lei prevê que os docentes possam recorrer a este tipo de destacamento por serem portadores de doenças incapacitantes que exijam tratamento ou apoio específico ou ainda que tenham a seu cargo cônjuge, ascendente ou descendente, portador de doença. Entretanto, o Governo já anunciou a criação de uma comissão de inquérito para apurar a «prática de eventuais factos ilícitos» no processo de colocação de professores, devendo a Inspecção-Geral da Educação (IGE) avançar com investigações em sete distritos. Contudo, o Ministério da Educação já reconheceu que a resolução destes casos poderá demorar algum tempo. Caso se venham mesmo a confirmar ilegalidades nos atestados médicos, os professores colocados poderão ser substituídos, o que poderá gerar mais atrasos para algumas escolas. Em declarações à TSF, Alice Susano, dirigente do Sindicato dos Professores do Norte, sublinhou que esta situação «pode, de facto, levar à mudança de alguns professores, o que não é bom para o acto pedagógico em si». Contactada por “O Interior”, Fátima Caramelo, coordenadora adjunta do Centro de Área Educativa (CAE) da Guarda, sublinhou que o destacamento por condições específicas é um «privilégio» que é possibilitado aos professores. No entanto, ressalva que aqueles que «se sentirem prejudicados podem recorrer e seguir as vias legais e averiguar se o número de atestados foi mesmo exagerado», frisa.

«Estranhamente um incrível número de docentes passou de saudável a doente»

Este grupo de docentes da Guarda fez chegar um outro documento à Ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, a dar conta do seu descontentamento, bem como a todos os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República, à IGE e ao Provedor de Justiça. Os professores da Guarda consideram que as novas regras que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 18/2004 de 17 de Janeiro provocaram «particularmente no que respeita ao destacamento de docentes por condições específicas, estão a remeter o concurso de afectação dos professores pertencente aos QZP’s para um plano secundário e a dar-lhe contornos de total virtualidade». Uma tese que assenta no facto de um número «elevadamente suspeito de professores ter recorrido a este expediente de destacamento por condições específicas para, supostamente, contornar a ordem estabelecida pela lista graduada do concurso de afectação». Este modo de agir permite que candidatos «com menor classificação e tempo de serviço ultrapassem outros mais graduados», dizem. «Estranhamente, num ápice, um incrível número de docentes passou de saudável a doente e a ter ascendentes e descendentes a cargo com necessidade de assistência permanente e contínua», prosseguem no rol de criticas. De resto, os professores queixosos sublinham que o «desmesurado recurso ao expediente do destacamento por condições específicas» foi «facilitado pelo facto da exigência de apresentação a Junta Médica ter deixado de ser condição para reconhecimento e comprovação da veracidade das condições alegadas», frisam. Por último, perante a «suspeita dimensão que o destacamento por condições específicas» está a assumir no distrito da Guarda, este grupo de docentes solicita à Ministra que tome diligências no sentido de «desencadear um processo rigoroso de averiguação que, com os meios necessários, afira, caso a caso, da veracidade das razões alegadas pelos docentes para beneficiarem de uma situação que deveria ser de excepção e não servir de “atalho” para desvirtuar o concurso de afectação.

Ricardo Cordeiro

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