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Sousa Martins

Anotações

No calendário das efemérides, o dia de hoje (18 de Agosto) está associado ao falecimento daquele que foi definido como a mais “brilhante luz” da sua época.

Referimo-nos, nestas anotações estivais, ao médico cujo nome foi perpetuado no Sanatório erguido, nos primeiros anos do século XX, na cidade da Guarda.

José Tomás de Sousa Martins nasceu em Alhandra, a 7 de Março de 1843, no seio de uma família com escassos recursos económicos. Órfão de pai, aos sete anos, foi com a idade de doze trabalhar como praticante para a Farmácia Ultramarina, em Lisboa, propriedade de um tio seu, Lázaro Joaquim de Sousa Pereira.

Frequentou o Liceu Nacional de Lisboa e a Escola Politécnica; com aulas de manhã, trabalhava de tarde na farmácia e à noite dava explicações de forma a conseguir receitas para as despesas inerentes à sua formação académica. Concluído o curso de farmácia, em 1864, continuou a frequentar a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, terminando o curso de medicina aos 23 anos, em 1866; foi sempre um aluno distinto.

Eleito, em 1868, sócio da Sociedade de Ciências Médicas, em 1872 Sousa Martins lecionava já na Escola Médico-Cirúrgica, onde viria a reger as cátedras de Patologia Geral, Semiologia e História da Medicina; exerceu atividade clínica no Hospital de S. José, em Lisboa, numa época em que a tuberculose ceifava anualmente milhares de vidas.

Sousa Martins, num relatório datado de 1880, fez a caracterização da tuberculose nessa época. «Esta devastadora doença reparte com surpreendente equidade os seus malefícios por ambos os sexos; não respeita idades, embora mostre cruel predileção pela puberdade e idade viril; ceva-se nos temperamentos lymphaticos, sem desdenhar os outros temperamentos; prefere as constituições debeis, posto que se atreva a acommeter, e mesmo a prostrar, constituições vigorosas». Aquele clínico acentuou a importância da criação de sanatórios na zona da Serra da Estrela, sustentando que «se os 15.000 tísicos que, no nosso país morrem anualmente, pudessem ir e receber, a tempo, o tratamento da Serra da Estrela, Portugal ganharia por ano mais de 2.000 vidas».

Em 1881 a Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu uma Expedição Científica à Serra da Estrela, a qual foi integrada, entre outros, por Sousa Martins. Dessa iniciativa resultou a elaboração de relatórios das várias secções científicas, que aparecem compilados num volume intitulado “Expedição Científica à Serra da Estrela” e, dois anos depois, o livro “Quatro Dias na Serra da Estrela”, da autoria de Emídio Navarro. Esta expedição teve o mérito (e sobretudo através da determinação de Sousa Martins) de chamar a atenção dos meios científicos e clínicos para as condições que a região (a Guarda, nomeadamente) oferecia no tratamento da tuberculose.

Este vulto da medicina portuguesa defendeu a implantação de Casas de Saúde nesta zona do país, impulsionando a fundação, em 1888, do “Club Herminio”, uma associação de carácter humanitário que se manteve durante cerca de quatro anos; o conceituado tisiologista foi aclamado, pelos membros fundadores, sócio honorário e presidente perpétuo desta instituição de solidariedade. Recorde-se que O “Club Herminio” tinha por finalidades promover direta e indiretamente «o melhoramento das condições naturaes da Serra da Estrella, considerada como estação sanitária» através do estabelecimento de casas de saúde sob direção médica, o socorro aos doentes mais necessitados do ponto de vista financeiro, e o exercício de «policia hygienica em todos os pontos da Serra e nas habitações».

Ainda em 1888, e correspondendo aos argumentos de Sousa Martins e de Guilherme Teles de Meneses, o médico Basílio Freire (professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra) instalou-se na Serra da Estrela, no Verão desse ano, onde assegurou consultas gratuitas aos doentes que o procuravam.

Os esforços que Sousa Martins desenvolveu, fortalecidos pelas suas esclarecidas convicções, em muito contribuíram para a construção do Sanatório que viria a ter o seu nome, perenemente ligado à mais alta cidade de Portugal; para a Guarda vieram milhares de doentes que procuravam aqui a cura desta doença infecto-contagiosa provocada pela micro-bactéria conhecida por “bacilo de Koch”.

A Rainha D. Amélia materializou no sanatório guardense (o primeiro a ser construído pela ANT, inaugurado a 18 de Maio de 1907) a homenagem a Sousa Martins, atribuindo a esta instituição o nome daquele clínico, cuja ação e dinamismo ela tinha já evocado numa intervenção pública da Associação Nacional aos Tuberculosos, realizada em 1889. Sousa Martins, refira-se, tinha falecido dois anos antes, em Alhandra, no dia 18 de Agosto de 1897, depois de ter sido atingido pela tuberculose.

O Rei D. Carlos comentaria que se tinha apagado «a mais brilhante luz» do seu reinado. Guerra Junqueiro, referindo-se à personalidade de Sousa Martins, escreveu que ele se deu «como o Sol dá a luz, aos miseráveis, aos tristes, aos sonhadores. Foi o amigo carinhoso e cândido, dos pobres e dos poetas. A sua mão guiou, a sua boca perdoou, os seus olhos choraram. Teve sorrisos para a graça, enlevos para a arte, lágrimas para a dor».

Na Guarda não têm faltado pessoas que apontam Sousa Martins como o autor de autênticos milagres, na linha de uma devoção popular que se manifesta, objetivamente, em Lisboa (no Campo de Santana) ou em Alhandra. O singelo monumento que se ergue dentro dos muros do ex-Sanatório da Guarda continua, diariamente, a ser alvo de preces e agradecimentos, apresentando-se quase sempre emoldurado de flores e envolvido em manifestações materiais de agradecimentos.

Apesar de não ter legado muitas publicações, Sousa Martins deixou atrás de si várias gerações de médicos, uma Escola Clínica e, sobretudo, um verdadeiro exemplo de doação à sociedade e à Medicina. Fez parte de muitas organizações científicas, nacionais e internacionais.

Recordar, hoje, este vulto da medicina portuguesa é anotar também uma das instituições mais marcantes da Guarda, no passado século, e cuja memória começa a ser cada vez mais esbatida… no contexto atual nem os mais otimistas alimentam grandes esperanças na afirmação de projetos anunciados no sentido da valorização do legado histórico, científico e cultural deixado pelo Sanatório…

Por: Hélder Sequeira

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