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«Sou mais útil como presidente do que como vereador»

Entrevista a Crespo de Carvalho, candidato do PSD à Câmara da Guarda

P – Continua convicto de que será eleito presidente da Câmara da Guarda?

R – Essa é uma convicção que tem que ser adquirida no dia em que nos desafiam e que só podemos perder no dia da eleição. Para bem da Guarda, é fundamental livrarmo-nos da pegada socialista de 34 anos.

P – Vai ou não assumir o lugar de vereador se não for eleito?

R – Já disse que, desta vez, me candidato a presidente da Câmara. Já fui vereador da oposição e considero que a minha passagem nesse papel foi rica, exigente e construtiva. Neste momento, a minha convicção é que sou mais útil como presidente do que como vereador.

P – Mas, caso perca, vai ou não ser vereador da oposição?

R – Não.

P – Então, em caso de derrota, as pessoas que vão votar em si não poderão contar consigo para defender o concelho nos próximos quatro anos?

R – Vão ter o meu contributo na presidência da Câmara e da lista que lidero. Na oposição terão com certeza contributos da lista e da equipa, não obrigatoriamente comigo.

P – Quais as suas opções estratégicas para este mandato?

R – Temos andado a dizer que a nossa vantagem estratégica é a localização quando, hoje, é por demais conhecido que não é a localização que nos traz alguma vantagem. É antes a possibilidade de termos um território bem gerido e um conjunto de características endógenas que nos permitirão fazer a diferença para o futuro. É preciso saber aproveitar bem as nossas riquezas naturais e o que nos diferencia das outras cidades, como o ar puro. É fundamental que a cidade seja capaz de assumir o bioclimatismo como uma opção estratégica para o futuro.

P – Quais são os seus principais projectos?

R – Primeiro que tudo, gerir o território de forma diferente. É preciso que a cidade e as aldeias evoluam de forma sustentada e à mesma velocidade. A aldeia tem sido abandonada pelo poder socialista. Não tem tido resposta para esta dificuldade crescente de uma desertificação cada vez maior e que não se combate com uma política de endividamento, que é o que temos tido, mas com uma verdadeira política de investimento que passa por não prometer as pequenas infraestruturas que parecem um pouco de novo-riquismo, desde a piscina ao pavilhão multiusos. É preciso garantir a todas as aldeias o acesso a dois bens essenciais como a água e o saneamento. Essa vai ser a prioridade das prioridades. Temos olhar para as aldeias de uma forma mais séria e dotá-las de uma capacidade de fixação de pessoas e de desenvolvimento económico. Por isso, é fundamental que tenham pequenos parques empresariais capazes de criar riqueza e atractividade. Terão as pequenas empresas que hoje já existem, mas também uma espécie de pequeno mercado abastecedor que será capaz de, com uma imagem de marca e embalagens próprias, proporcionar ao agricultor um conjunto de vantagens. Será também o local privilegiado para a recolha dos sobrantes, numa política de florestação que vamos ter que ter. Todas estas valências contribuirão para que a aldeia volte a ser o centro de actividade económica, porque só assim conseguiremos fixar pessoas.

A não existência, ainda, de uma revisão do PDM tem tolhido a possibilidade das aldeias crescerem. O planeamento será feito a partir de um conceito novo, que é a vivenda-horta. Não deixaremos repetir a má organização da cidade. Não iremos ter vivendas geminadas e casas sobrepostas umas sobre as outras. Este conceito da vivenda-horta permitirá a agricultura de subsistência e a criação de espaços verdes.

P – A criação do parque temático é a “grande bandeira” da sua candidatura. Como pensa concretizar este projecto e já sabe quanto poderá custar?

R – A nossa preocupação tem a ver com a necessidade de olhar para uma das fontes de receita e de sustentabilidade futura da Guarda e do seu concelho que é o turismo. Defendemos a existência de um centro verdadeiramente aglutinador e captador de turismo, não só nacional, mas também espanhol, na ideia central de que temos de ser capazes de nos orgulhar da história do povo lusitano na Serra da Estrela e no herói Viriato. Sem o “Lusitânia Land” não teremos capacidade para continuar a gerar um conjunto de circuitos e de atractividades para o concelho. Fundamentalmente, trata-se de um grande parque temático que funcionará como o tal centro aglutinador. Esta é uma ideia que a política de endividamento até hoje seguida pela Câmara não nos permitirá concretizar sozinhos. Vamos testá-la e suportá-la noutro órgão que vamos instituir, o Conselho Estratégico informal, por onde queremos que passem todas as ideias estruturantes para o futuro da cidade, concelho e região.

P – Quer apontar um número?

R – O estudo que foi feito – e já está bastante avançado – aponta para um investimento entre os 20 e 25 milhões de euros. A autoria do estudo é do professor Ferreira Gomes que, no departamento de Engenharia Civil e Arquitectura da UBI, já desenvolveu um conjunto de projectos e desenhos que nos permitem ter uma noção clara do que pode ser o “Lusitânia Land”. Esta exigência ao Governo central já está quantificada, mas pode ser reduzida ou aumentada em função da vontade política que conseguirmos introduzir para a apoiar.

P – Sendo eleito, como pensa resolver o problema da dívida do município?

R – Para uma grande dívida não há uma grande solução. Há comportamentos que têm contribuído para que tenha evoluído da forma que evoluiu. A dívida não só não foi controlada como foi muito aumentada e tem hoje dois aspectos distintos. Um tem a ver com o défice galopante dos SMAS, que já ultrapassa os seis milhões de euros e que é preciso contrariar renegociando o contrato com a Águas do Zêzere e Côa. Quanto à Câmara, a questão é mais complicada porque a dívida tem a ver com despesa e não com investimento. Os investimentos públicos que até hoje existiram na Guarda foram quase todos suportados ou por fundos comunitários ou pela administração central. É preciso corrigir esta trajectória e para isso é preciso que a Câmara passe a pagar a tempo e horas. Fazendo isso, poupa dinheiro – todos sabemos que os concursos e os fornecimentos para a Câmara são inflacionados por já terem em linha de conta o atraso sistemático no pagamento. Depois há dívidas acumuladas de três e quatro anos e algumas de muito mais, com associações e Juntas que vão ter que ser pagas. Preferimos não fazer mais promessas e pagar o atrasado do que continuar a prometer aquilo que não somos capazes de dar. Daí também virá alguma poupança. O mesmo acontecerá com a nova forma como vamos gerir e reorganizar o pessoal. Temos uma capacidade instalada muito razoável, mas é preciso envolver as pessoas num novo projecto que nos permitirá ajudar as instituições e Juntas com actividades que rentabilizarão os recursos humanos existentes. Quando não há condições para pagar a essas entidades, podemos compensá-las através dos serviços prestados. Por outro lado, não é possível fingirmos mais que somos uma Câmara rica para ter partidas ou chegadas da Volta a Portugal se isso não corresponder, como não corresponde, a nenhum desenvolvimento da actividade desportiva local.

Esse novo-riquismo de trazer aqui grandes espectáculos, que nos custam muito dinheiro e não têm repercussão, vai ser abandonado porque vamos investir na formação e numa Carta Desportiva. Há também património que teremos que avaliar bem da sua utilidade para verificar até que ponto há condições para o rentabilizar. Por outro lado, só é possível dar resposta à dívida se formos capazes de nos libertar de custos. Um deles tem a ver com a privatização da PLIE.

P – Como pensa concretizar essa privatização e o que tem faltado para que a plataforma entre de vez em velocidade de cruzeiro?

R – Primeiro, a forma como foi concebida, em circuito fechado, em que um conjunto de empresários construíram um estatuto fechado que não permite sequer à Câmara, apesar de ter 37 por cento, abrir o capital da PLIE SA. A sociedade existe mas não tem tido qualquer interferência na gestão do investimento. Por isso, o único responsável pela sua gestão tem sido a Câmara, que é a dona do terreno e das infraestruturas, das candidaturas e de toda a iniciativa. Portanto, se o atraso existe não se deve à PLIE SA empresa, mas à inépcia da Câmara. O insucesso é total e a única forma que temos de dar resposta a isto é libertar aquela iniciativa da Câmara, o elemento que tem obstaculizado ao bom desenvolvimento do projecto, pela sua incapacidade de captar investimento e de concretizar as infraestruturas que são supostas. Ainda não tem nada de logístico. A única empresa que está a fixar-se faz apenas deslocalização, pois já cá tinha instalações. Contudo, a Câmara não deve prescindir da Área de Localização Empresarial, cujos lotes devem servir para criar condições de investimento e continuar uma politica de atractividade para as empresas. A privatização da PLIE permitirá concretizar todo o projecto que, na minha estimativa, está a menos de meio e ao mesmo tempo ser incentivador da localização de empresas que sejam capazes de trazer riqueza e emprego, mas também numa linha de complementaridade com os parques empresariais das aldeias.

P – Não é um mau sinal uma candidatura não ter listas próprias e apoiar independentes em grande parte das freguesias do concelho?

R – Não, porque a forma de ver a política é diversa do tradicional. Sabemos que, a partir da Câmara, há uma discriminação negativa na forma de gerir o território pelas filiações partidárias. Entende-se que ser do partido que está na Câmara é uma vantagem. Esse princípio deve ser afastado. Quem está na Câmara tem de olhar para o território na sua plenitude. Por isso, não me preocupa quem são os interlocutores no terreno. O fundamental é que seja gente qualificada, capaz de entender as exigências das populações e dar resposta aos desafios que vamos colocar. Aquilo que parece uma fragilidade é, de facto, uma opção, mas não escondo que nalgumas circunstâncias não é uma opção cem por cento livre. Em certos casos ocorreu algum tráfico de influências que nos dificultou o trabalho nalgumas freguesias onde gostaríamos de ter alternativas e não tivemos. Assumo, por isso, que o que está hoje no terreno não corresponde cem por cento ao que eram os nossos objectivos.

P – Não considera que as confusões verificadas com alguns candidatos a presidentes de Junta possam ter prejudicado a sua candidatura?

R – Essas confusões nasceram de artificialidades, não corresponderam a verdadeiras razões de base. Na Guarda, já estamos, infelizmente, habituados a que o acessório e pouco relevante seja o mais discutido. Não tenho dúvidas que essas confusões, que foram, de certa maneira, alimentadas pela imprensa, não beneficiaram a candidatura, mas tenho a consciência tranquila de que fiz tudo com o objectivo de conseguir uma rede de gente disponível para ajudar a concretizar um projecto.

P – Não acha que lhe ficou mal dizer que os deputados municipais estavam “gastos”?

R – Infelizmente, essa afirmação foi-me atribuída mas não foi minha. O que foi dito numa conferência de imprensa, perante uma renovação da equipa na Assembleia Municipal, foi que não se achava que com essa atitude havia ali uma avaliação negativa do comportamento do grupo do PSD. Usando um artigo de O INTERIOR, disse que já tinha visto escrito que o grupo do PSD estava gasto, mas que não era essa a minha opinião. Pelos vistos, o jornalista ouviu apenas a primeira parte.

Acho que, no seu todo, a AM teve um conjunto de comportamentos que não corresponderam às expectativas formuladas. Estava à espera que tivesse sido mais exigente, interventora e não tão seguidista. Já o grupo parlamentar do PSD respondeu com qualidade, capacidade e até com a preocupação de viabilizar algumas das iniciativas que a maioria quis levar à prática. A avaliação que faço é que houve um comportamento político muito aceitável e positivo, não só na qualidade, mas também na oportunidade das intervenções. A AM tem sido o local onde se aprova aquilo que a Câmara quer, em vez de ser um órgão de fiscalização efectivo à actuação da Câmara. Por isso, a minha preocupação em requalificar o nível das pessoas e de exigência para a AM. Não é por acaso que a liderança da AM que propomos está em João Correia e Constantino Rei. Tem que ser com gente de cá, que conheça a realidade e que dê provas inequívocas de imparcialidade, que podemos ganhar um órgão essencial para o controlo, incentivo e criação de condições para que a Câmara seja mais eficiente.

P – Para que serve um presidente se a sua sugestão é que o gestor do território vai ser o vice-presidente da autarquia?

R – O presidente é quem define linhas de estratégia e as orientações políticas. A gestão do território propriamente dita, na componente prática e logística, será feita pelo vice-presidente, mas a gestão global faz parte da equipa. Não é delegável. O vice-presidente vai ter a responsabilidade de implementar as políticas que são definidas pela equipa e pelo presidente. O presidente não pode continuar a ser a pessoa que recebe os presidentes de Junta às quintas-feiras. Estes têm que ter capacidade de diálogo com a Câmara todos os dias e a qualquer hora, pelo que tem que haver alguém disponível cem por cento. Não vão ser os presidentes de Junta que têm que vir à Guarda tratar das coisas.

P – Acha inovador deixar os demais vereadores sob a dependência do vice-presidente?

R – Não há nenhuma dependência. O que disse foi que, na lógica da gestão, o presidente da Câmara não corresponderá à divisão de pelouros pelas orientações hoje existentes. Os vereadores vão estar dependentes directamente do presidente, que terá maior liberdade para actuar na captação de investimento, de empresas e de iniciativas para a Guarda. Por isso, tem que ter uma confiança absoluta nos vereadores, delegando competências em todos, e não num só, de forma a implementarem as políticas definidas.

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