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Solidão

Bilhete Postal

Há uma multidão de gente que vive só, que por razões inúmeras acabou só. Uns porque foram estudar longe das famílias, outros porque ficam viúvos, outras são razões profissionais, ainda os que dedicaram a vida aos pais doentes e depois estes partem e eles sós. Há os divórcios, as histórias tristes que deram prisão. Ele há mil razões e nenhuma diminui o peso desse facto. Ser só é chegar a casa e acender as luzes. Ser só é deixar a TV ligada e ninguém a fechar. Ser só é uma cama sem ninguém no quotidiano. Não contam as vezes curtas em que se partilha a pele, porque são mais as que não têm afecto. Ser só é acordar amanhã de um AVC e sentir a limitação. E é violento chegar a casa feliz e não poder partilhar, ou vir enxovalhado e não desabafar. Está só a mãe que vive com o filho pequeno. Tem trabalho, tem carinhos, mas não tem a partilha das ideias e das sensações. É só o divorciado no apartamento do centro da cidade. A solidão é uma doença tremenda do século que vivemos. Estão sós os pais nos lares, estão sós os velhos nos cuidados continuados. Estão sós as crianças mal tratadas. Estar só é um estado interior. A sensação de abandono, a sensação de ser esquecido. É só a infeliz que casou com um alcoólico, com um jogador, com um futebolista de bancada, com um usuário infinito da Internet. Por vezes chocamos com alguém que fala ininterruptamente porque carrega um saco enorme do que quis dizer e ninguém ouviu. Estes pais natais de palavras e frases sem nexos e perguntas apelativas enchem os lares e os hospitais. São gente socialmente doente, transportando uma lesão profunda do afecto.

– Oh sr.ª enfermeira o soro do meu pai acabou! E não pode acabar? Não se pode interromper? Pergunto eu com vontade de lhes oferecer o Natal com pai que ali está sem visitas faz meses.

Por: Diogo Cabrita

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