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Sócrates e o ambiente

Theatrum Mundi

No passado domingo, o engenheiro Sócrates voltou a vestir o fato de ministro do ambiente, naquilo que pretende como um sinal claro de que as questões que marcaram a sua passagem pelo ministério do ambiente não vão perder importância na agenda política do novo governo. Depois da comunicação em catadupa de medidas destinadas a controlar a despesa pública, o conselho de ministros realizado no domingo destina-se ainda a dar uma prova concreta de que o défice não é uma obsessão deste governo e que existe muita vida para lá dele, isto é, impõem-se muitas decisões que não podem estar determinadas por essa lógica. Depois de várias semanas em que as despesas do estado foram demonizadas, insistir numa estratégia para o ambiente significa reconhecer que o estado tem responsabilidades para com a cidadania, nacional e global, e que essas responsabilidades também implicam despesas criteriosas.

Em mangas de camisa, que já fazia calor no Algarve, Sócrates expôs perante as câmaras de televisão aquela que entende ser a linha de orientação no tocante a este ponto. Trata-se assim de compatibilizar desenvolvimento e protecção ambiental, naquilo que há perto de duas décadas foi baptizado como desenvolvimento sustentável. A expressão foi utilizada pela primeira vez em 1987, no relatório da Comissão Bruntdland encomendado pelas Nações Unidas a um grupo de especialistas de várias nacionalidades com o objectivo de definir, para as décadas seguintes, uma estratégia global para o desenvolvimento. O conceito aparece claramente associado à satisfação das necessidades materiais das populações humanas, mas insiste em que a utilização dos recursos naturais pela geração presente não pode pôr em causa a satisfação das necessidades materiais das gerações futuras. A estratégia viria a ser trabalhada e desdobrada, com resultados diferentes, nas grandes cimeiras da ONU que se seguiram, em especial as do Rio de Janeiro (1992), do Milénio (2000) e de Joanesburgo (2002).

A mensagem pronunciada por Sócrates em Sagres é mais uma tentativa de definir um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, um modelo em que a estratégia de valorização ambiental saia definitivamente dos discursos políticos para dar os seus frutos concretos e ajude a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Até agora, essa estratégia foi claramente fragmentária e incoerente, muitas das opções dos responsáveis pelo ambiente foram contestáveis e contestadas, e o financiamento de alguns projectos foi mesmo inviabilizado pelas instituições europeias. O sinal mais negativo da falta de projecto português para o desenvolvimento sustentável é provavelmente aquele que ressalta do descontrolo relativamente ao cumprimento do protocolo de Quioto. Apesar de este tratado internacional permitir a Portugal a possibilidade de aumentar a emissão de gases de efeito estufa em 27% até 2012 e relativamente aos níveis de 1990, a emissão deste tipo de gases aumentou, só entre 1990 e 2002, mais de 40%… É caso para dizer que este desenvolvimento sai caro.

Em cima da mesa do último conselho de ministros de Sagres estiveram as questões da água e do ordenamento da costa, questões cruciais em qualquer estratégia ambiental. Contudo, a paixão de Sócrates terá ainda que ser avaliada pela forma como o novo governo vier a tomar decisões na área florestal. O calendário político parece ter concorrido para que este venha ser mais um ano perdido na luta contra a desertificação, e com as temperaturas a chegar aos 40 ainda antes da chegada do Verão, resta confiar na competência dos bombeiros, na sorte e na protecção divina para que não se assista, mais uma vez, a uma catástrofe ambiental e social. Engenheiro Sócrates, neste capítulo o país também tem que mudar de vida.

Por: Marcos Farias Ferreira

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