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Sobre Turismo

Este é um dos meus mais insistentes e diuturnos assédios; e uma das razões radica, talvez, na melhor compra que, depois dos livros, fiz em toda a minha vida: a auto-vivenda.

A primeira viagem que com ela fiz ao estrangeiro foi a um lugar tão… escolho o adjectivo “mágico”, mágico, portanto, que o seu fascínio se integra como um elemento perene da idiossincrasia do visitante – Delfos. Quando, escassos metros após tê-la estacionado, o vendedor de postais ilustrados, inquiridor e mirando o meu cabelo preto e estatura meã, me perguntou «Donde vem?», e me declarou, «De Portugal?! O vosso Presidente da República esteve aqui há três meses», respondi-lhe, transbordante de alegria e ironia: «Não admira. É do mesmo signo astrológico que eu». Referia-se ao Dr. Soares, em 1992.

Delfos é um lugar tão emocionante que só pode ser assimilado ao mais fundo da fibra religiosa; e o menos erudito dos humanos já ouviu falar da Pítia, essa intérprete de Apolo.

Delfos impregna-nos de um tal tonus, calma, interioridade, exaltação, humildade,… que é o puro inefável. Depois Atenas com a Acrópole, Micenas, Esparta…

Multidões sabedoras e curiosas, interrogando e interrogando-se, das mais diversas procedências, obviamente epicuristas, conhecedoras da História e do Mundo, poliglotas e cosmopolitas, determinadas por um crescente sentido da Vida, própria e dos outros, imersas, alfim, no Mistério que sabemos ser o habitat da humana condição.

Aliás, sáfara desde sempre, a Grécia não vive de outra coisa que não seja do Turismo e do mar.

Na Jugoslávia em processo de desintegração, o Museu de Arte Contemporânea de Sokpje, aberto propositadamente para mim, tresandava a bafio.

E o guarda nunca me largou nem deixou de me falar do seu conterrâneo a jogar no Benfica, Filipovic… O Museu Narodna (?), de Belgrado, dado o privilégio do câmbio, era, na loja, um rol de pechinchas. E a Hungria. E Pádua e Verona; e Arles e a Provença…

Multidões iguais, digamos, no Palácio de Luís, “O Louco” (Neuschwanstein), no sul da Baviera, ou a visitarem o “hierático” neo-clássico de Karl Friedrich Schinkel e seus pares, em Munique, ou em Weimar, Capital Europeia da Cultura; e deve também referir-se Münster e a “Sala da Amizade”, onde se pôs termo a essa hecatombe que foi a “Guerra dos Trinta Anos”, ou Lubeque e a sua “respiração” hanseática, ou Fulda e o seu barroco, ou Vurtzburgo e o seu rococó, ou Sögel, ou…

E na França, o Museu Matisse em Le Cateau Cambrésis, a Fundação Monet em Giverny, os museus de Vernon ou de Grenoble, ou as celebérrimas catedrais de Ruão ou Amiens, ou…

E na Bélgica o esplendor das cidades flamengas e dos seus museus e actividades culturais, de Bruges a Ostende, de Gand a Antuérpia – para não falar já de Victor Horta ou dos Museus Reais de Arte e História, em Bruxelas.

E o Thorvaldsen e o de Skagen (Kroyer), na Dinamarca; e os conspícuos museus nacionais dos restantes países escandinavos; e cidades e museus holandeses.

Este sumário rol não é nenhum estendal de novo-riquismo cultural, mas a persistência do maravilhar-se, que quero passar ao leitor. Em todos estes lugares – para não falarmos já desses formidáveis vizinhos que são os espanhóis – há um acolhimento tão tocante e uma tal mestria em tirar partido da Arte, da História e do património, ademais de uma infinita devida gratidão, que neste conspecto Portugal é peculiar.

O turismo cultural impregna-nos de um incoercível hieratismo, transporta-nos para a rarefacção do Perene.

Disse: neste conspecto. Em 2004, a Espanha teve 52,4 milhões de turistas, a Alemanha 16 e Portugal 11,5. A França detém, há anos, o primeiro lugar.

Ou seja: quantos mais turistas atrairia Portugal, se os que passam por ser responsáveis tivessem olhos para ver, já não digo mais, mas o filão de Foz Côa? E não me respondam que todos conhecemos a piramidal elevação cultural dos deputados que representam o nosso distrito.

Já está provado – mutatis mutandis à moda dos republicanos de 1910 – que os que se dizem os fundadores desta democracia são, afinal, os seus coveiros, pois as comemorações do 25 de Abril estão a caminho de se tornarem tão irrelevantes, secretas, como as do 5 de Outubro.

É a nós, patriotas, que não comemos da gamela do Orçamento, que incumbe reverter esta situação. Sem o mecenato da Caja Duero, a importante exposição sobre os fauves não teria ido de Salamanca para o Museu do Chiado; e já me foi dito que a mesma Caja Duero estuda a hipótese de restauro de todo o românico português que o carecer.

Por mim acho muito bem e, aliás, o rifão é claro: “Os pobres são pobres e burros”. Vamos esconjurar esta maldição.

Guarda, 23-I-06.

Por: J. A. Alves Ambrósio

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