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Sobre o PDM e a sua revisão

A Guarda tem Plano Director Municipal desde Julho de 1994. A 1.ª geração de PDM’s surgiu na sequência de “intimação” da administração central que alertava para que, sem esse documento os municípios ficariam sem acesso a fundos estruturais. A mesma administração, insatisfeita com os PDM’s, que ela própria nunca considerou devidamente mas foi ratificando para engordar as estatísticas, achou que estes deveriam ser legitimados por outros, de ordem inferior, designadamente PU’s (Planos de Urbanização) e PP’s (Planos de Pormenor). Era a sua prova de descrédito nos PDM’s, lançando a solução sobre novos instrumentos de planeamento que, ao alterarem estes, ficariam também sujeitos ao controle superior.

Os PDM’s foram-se fazendo por todo país, sobre um quadro de obrigatoriedade mais do que de necessidade. Dentro do princípio da defesa e salvaguarda dos principais recursos ambientais, começou-se por delimitar o território a congelar, as reservas agrícola e ecológica nacionais… Depois, definiram o espaço urbano (preexistente) e o espaço urbanizável (que poderia ser ocupado para usos urbanos). Sobrava assim uma grande área de território que, curiosamente, se designam, por vezes, de “zonas brancas”.

Sabendo-se que a delimitação da “área urbanizável” não surge apenas do acréscimo demográfico previsto mas, sobretudo, da (imponderável) evolução dos diferentes segmentos de mercado, bem como da oferta de solo (sobretudo influenciada pela intervenção privada) resultaram, em muitos casos, perímetros urbanos sobredimensionados (pelo receio de, com perímetros mais contidos, se travar o desenvolvimento). A esta opção estão associadas expansões desarticuladas, por incapacidade financeira dos municípios para realizar equipamentos e redes de infra-estruturas que estruturassem esse crescimento.

No caso da Guarda isso não aconteceu. A estratégia foi criar um perímetro mais restrito, dando importância aos custos municipais com infra-estruturas e equipamentos. Criou-se um zonamento funcional e, pontualmente, um zonamento quantitativo (introduzindo índices de construção) deixando-se de parte o zonamento morfológico. Delimitaram-se ainda Unidades Operativas de Planeamento e Gestão (UOPG’s) algumas das quais vinculavam o território a planos municipais de ordem inferior, como o PU para a cidade e dois PP´s (um destinado a área de expansão do centro e outro ao Parque Urbano de S. Francisco).

Mas se a opção de criar grandes perímetros é perversa, também esta, ainda que mais rigorosa e cautelosa, trouxe efeitos secundários não esperados. A administração local não percebeu o PDM que aprovou, talvez porque nunca o tenha sentido como uma necessidade. Não compreendeu que as acções decorrentes do plano careciam de ser levadas a cabo, sob pena de outras disposições desse documento poderem entrar em contradição com os objectivos do mesmo.

A não execução do Plano de Urbanização fez com que, da opção (certa) de não definir certos aspectos morfológicos de desenho urbano, resultasse uma cidade que cresceu com base no desenho proposto pelos loteamentos privados, que se iam acomodando a partes do território, preenchendo o puzzle da área urbanizável sem ajustar a imagem de cada “peça” à necessária imagem de conjunto.

Por outro lado, a não execução dos PP’s congelou uma grande parte da área urbanizável e, consequentemente, os direitos dos proprietários desses terrenos, restringindo o perímetro urbano, já considerado ajustado.

Como consequência, nos últimos anos, assistiu-se a um acréscimo de preços dos poucos terrenos passíveis de serem ocupados, o que atirou o custo da habitação para valores inesperados. Com a diminuição da procura, a necessidade de adequar os preços ao mercado só poderia resultar em prejuízo da qualidade da construção e da urbanização, levando os promotores a aproveitar ao máximo cada m2 de solo disponível. Esta situação veio, naturalmente, pressionar as “áreas brancas” de tal forma que se descobriram mecanismos pouco claros de ocupação mais intensiva da área supostamente rural, onde, também supostamente, as operações de loteamento são proibidas. Outra consequência é a de se ter condicionado a revisão do PDM a iniciativas privadas concretas e localizadas que não “couberam” na estratégia por ele definida, correndo-se o risco de deixar o futuro plano sem estratégia, passando a ser uma simples, e não planeada, resposta a problemas que o anterior criou.

Face a este cenário, sugiro que na revisão do PDM, que está em curso, se introduzam mecanismos de flexibilidade e adaptabilidade, formas de dar continuidade ao planeamento para além do momento de aprovação do plano, que este seja capaz de dar resposta às solicitações que, face à competitividade crescente, poderão ser cada vez mais diversificadas, desde as novas formas de habitar às várias estruturas comerciais, dos serviços à indústria, do turismo ao lazer…

É necessário introduzir o factor “tempo”, para que não se desperdicem oportunidades, e o factor “custo” para que se ajustem os recursos financeiros (cada vez menos apoiados pelos fundos comunitários) à exequibilidade das infra-estruturas, equipamentos e espaços públicos de qualidade. Será também viável estabelecer, durante a elaboração da revisão, protocolos/ contratos com entidades públicas e/ou privadas para execução das propostas mais fortes do plano, dando resposta ao investimento ao mesmo tempo que se estabelecem regras para a sua concretização, criando âncoras apoiadas num desenho de espaço público estruturante, capazes de conectar os vários momentos da cidade, desde o centro às periferias, da cidade aos aglomerados do concelho onde se perspective um desenvolvimento sustentável.

Um plano que lide com a indeterminação, que seja capaz de criar um traçado que induza a qualidade do conjunto e seja referência para o investimento no espaço público (elemento chave da qualidade urbana) e que permita uma interpretação casuística das normas. Um modelo que possua uma espinha dorsal que possibilite ao município agir em função da imprevisibilidade das dinâmicas.

Este princípio do “plano de determinação variável” foi defendido por Nuno Portas em 1994, no Jornal dos Arquitectos. Pareceu-me oportuno e actual pelo que, neste aniversário da Guarda, relembro estas questões.

Por: Cláudia Quelhas

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