Ciclicamente, a treta do Iberismo volta à “ribalta”. Se, a esse respeito, uma réstia de ingenuidade ainda nos enformasse ( a ingenuidade, “esse humilde parasita da inteligência”, como a qualificou Ortega y Gasset), espantar-nos-íamos que o dito Iberismo movesse académicos, fosse “matéria” de aulas de Mestrado, dadas com a inerente solenidade, e assunto de intelectuais. A ingenuidade desapareceu há muito; e parece-nos cada vez mais claro que a figura do intelectual é, tão-só, uma especiosidade (uso “especiosidade” para ser eufemístico…).
A partir do momento em que os condes portucalenses resolveram soltar o grito de “Ipiranga” contra a monarquia asturo-leonesa e que, mais tarde, o “partido” galego de D. Teresa foi derrotado em S. Mamede (1128), dois grandes destinos estavam identificados – e projectados – para a Península Ibérica. A Santa Sé, a quem tal realidade em nada interessava, teve que render-se à evidência e reconhecer a independência de Portugal e a Afonso Henriques como primeiro rei do novel Estado.
A última pretensão de um rei português o ser de todo o território pensinsular esvaiu-se com a derrota portuguesa em Toro, em 1474; e se o filho desse medievo que foi D. Afonso V, esse estadista renascentista que foi D. João II, nunca deixou de acalentar o sonho de uma monarquia dualista, o sonho esvaiu-se- lhe com a prematura morte do filho. Por sua vez, a última pretensão de um rei espanhol o ser de toda a Península desapareceu por completo do horizonte no 1º de Dezembro de 1640. Mais. Perante o espectáculo das intestinas lutas intra-europeias, D. João V, aliás opulento com o ouro e diamantes do Brasil, pura e simplesmente concluiu que os assuntos europeus nada lhe interessavam – e voltou as costas à Europa. E o seu sucessor Carvalho e Melo (Pombal) tinha uma potência tal que se impôs inclusivamente à Santa Sé. É consabido.
O Liberalismo impôs-se penosamente num país culturalmente periférico à Europa e onde a população alfabetizada era uma raridade, digamos (ter sempre bem presentes as descoroçoadas opiniões de Mouzinho da Silveira), país onde a Reforma nunca chegou e a Igreja esteve – de armas na mão – contra os novos princípios. E, no século XIX, a única universidade portuguesa esteve fechada por longos períodos. Antero de Quental e colegas iam à estação de caminho-de-ferro esperar os livros que chegavam no combóio de Paris. O país estava tão mal que uma das soluções era o Iberismo – e por estar mal avançou-se para as Conferências do Casino.
Os francelhos fizeram a República e puderam limpar as mãos à parede pela refinadíssima mistela que pariram (desculpe, leitor, mas não me surge melhor termo) e, após o 28 de Maio, o país voltou-se novamente para si, mutatis mutandis como na época joanina e josefina (Carvalho e Melo).
E veio o 25 de Abril que nos deu a intangível liberdade, mas nem democratizou, nem desenvolveu, nem descolonizou. Em Portugal temos hoje uma oligarquia tão espúria que até os dirigentes do futebol botam faladura; um desenvolvimento que está – e cada vez mais estará – distante do da União Europeia; e uma descolonização cuja catástrofe é bem medida pelo actual regresso a África, “rapidamente e em força” (noutro contexto, claro).
Tal como na “choldra” (o termo é queirosiano, como se sabe) do século XIX, volta agora a falar-se de Iberismo – e uma série de perguntas e questões têm que ser postas a todas as pessoas com dignidade.
É preciso viajar-se c. 200.000 quilómetros pela Europa, falar alguns dos seus idiomas, conhecer algo da sua cultura, frequentar os seus melhores lugares e conversar, no Continente, com gente superior, para se concluir que as identidades nacionais são incoercíveis?
É preciso ser-se particularmente lúcido para se concluir que é muito mais digno e pragmático esforçar-se para se afirmar, que esperar que S. Iberismo resolva os problemas?
É preciso ser-se refinadamente espiritual para se concluir que a Abundância não tem limites e que os tais ditos intelectuais mais não podem que espantar patêgos?
Ao comer e dormir em casa dos meus queridos – queridos, disse; alguns como se fossem irmãos de sangue – amigos salamantinos, madrilenos, cordoveses ou levantinos deixo os meus emocionados respeito e admiração por Espanha – à qual desejo todas as bênçãos de Deus. Sucede é que nem a minha idiossincrasia é a deles, nem a deles a minha.
Uma figura tão irrelevante como Saramago também já opinou. Mas quem leva a sério tal figura, cujo único jeito conhecido, como muito bem diz Vasco Pulido Valente, é para se promover?
J. A. Alves Ambrósio
Guarda-27-X-06
Por: J. A. Alves Ambrósio