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Só uma Hipótese

Tudo começou com a pressão exercida sobre os gerentes bancários para cumprirem os seus objectivos: “Em Junho deves fechar trinta hipotecas, custe o que custar. Menos que isso e passas à lista negra”. Para a coisa se tornar possível, era preciso sobrevalorizar as casas: “se queres que te empreste cem mil para comprar a casa, porque não tens dinheiro para dar de entrada, teremos de a valorizar em cento e vinte mil; cento e cinquenta mil se quiseres também trocar de carro e fazer umas férias em Cancun”. Seguidamente, vinha o grande negócio para o banco: “Ó pá, se não tens dinheiro para dar de entrada, se o teu rendimento anual é inferior a vinte mil euros, se o teu saldo médio é o que é, o teu spread não pode ser abaixo de um e meio – mas não te preocupes que as taxas de juro estão tão baixas que não te vai custar nada”. Para o banco, a coisa parecia óptima: pedia o dinheiro emprestado a três por cento e emprestava-o a quatro e meio por cento e tinha uma garantia imbatível – a hipoteca sobre a casa.

O negócio era tão bom, com garantias aparentemente tão sólidas, que os fundos de investimento e os fundos de pensões começaram a investir dinheiro nele, atraindo as poupanças de muitos milhões de pessoas. O negócio era também bom para os construtores civis. Com tantas facilidades de crédito, com taxas de juro tão baixas, com as constantes subidas do valor das casas, o que parecia dar ainda mais solidez ao negócio de comprar casa e de emprestar dinheiro para a sua compra, não faltavam compradores. Havia, é claro, a tradicional preferência pelos valores fundiários para investimento, agora confirmada pelos bons resultados apresentados. Batia tudo certo: os bancos, os fundos de investimento e pensões, os empreiteiros ganhavam dinheiro, os compradores de casas investiam-no e tinham, aparentemente, o retorno do seu investimento garantido. A economia em geral crescia, com essa gigantesca massa de dinheiro em circulação, rapidamente transformada em impostos, mais investimento, mais empréstimos, mais crescimento.

Houve várias coisas que se conjugaram para derrubar este sonho. Antes de mais, a demografia não ajudava, pelo menos nos países ricos. Havia um limite para a construção de fogos, e esse limite passava, antes de mais, pela quantidade de fogos que eram efectivamente necessários. Se numa aldeia vivem cem famílias e todas têm casa, só tem sentido construir mais uma casa se houver mais uma família. Se a casa for construída mesmo assim, o empreiteiro não vai conseguir vendê-la. Depois, veio a subida das taxas de juros a pretexto de controlar a inflação, o que levou muitas famílias a entrar em incumprimento no pagamento das suas casas. Foi este o momento em que os bancos descobriram que as casas sobre as quais tinham emprestado dinheiro estavam sobreavaliadas – não só porque não valiam à partida tanto dinheiro como o que tinham emprestado sobre elas, mas também porque havia já tanta oferta que o valor real delas se tinha naturalmente degradado. Os fundos de investimento e de pensões, e todas as instituições bancárias que tinham apostado muito no negócio começaram a perder dinheiro, em tais quantidades que toda a economia se viu ameaçada.

A solução, para se tentar evitar o colapso do sistema financeiro, primeiro, e de tudo o resto depois, passava por auxiliar de imediato os bancos de investimento e as seguradoras em perigo. Era necessário pôr um travão rápido ao desmoronar do castelo de cartas. Para isso, nada melhor do que nacionalizar os prejuízos, através da intervenção do Estado nas instituições financeiras em perigo.

Essa a ideia do plano dos setecentos mil milhões de dólares, o triplo do PIB português. Era isso ou o caos e os congressistas republicanos escolheram o caos. É que, para eles, há o caso de estarem também em campanha eleitoral e os seus eleitores não verem com bons olhos o desaparecimento de tanto dinheiro vindo dos seus impostos sobre pretexto de intervenção do Estado no normal funcionamento da economia. Pior: se o plano resultasse, nada sucederia a não ser o evitar-se uma hipotética, mas não verificada, catástrofe. E setecentos mil milhões de dólares é um preço muito alto a pagar por algo tão pouco tangível como a possibilidade de uma catástrofe.

Por: António Ferreira

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