Não sei de onde vem ou provem o jogo de cartas mais famoso do país. A sueca jogada por quatro indivíduos, divididos em duplas, onde cada dupla fica de frente para a outra e o silêncio impera, sob pena da conversa fiada acabar com a jogada.
Na sueca a coisa é séria e no país que lhe deu o nome, a Suécia, há também coisas novas e sérias. A partir de 1 de julho estão em vigor novas regras comportamentais, sendo que mais duas leis, aprovadas por maioria, determinam mais duas infrações: a violação negligente e o abuso sexual negligente são crime, ambos punidos com prisão efetiva. No país com as maiores taxas de emprego da União Europeia (80%), de emprego feminino (78%), de maior representação de mulheres na política e nas administrações, sem contudo terem imposto, até hoje, às célebres quotas aos partidos, é, sem sombra de dúvidas, o país ideal para constituir família. 50% da população é solteira. Os pais têm direito a 480 dias de licença parental por cada filho e as crianças têm direito a jardim-de-infância grátis e acesso também grátis a cuidados médicos, incluindo dentários, até aos 20 anos. As leis sobre violência doméstica e abuso sexual são agora as mais avançadas do mundo.
Assim, todo o ato sexual sem consentimento passa a ser considerado estupro, mesmo sem recurso à violência ou ameaça, pois o parceiro tem de expressar a sua total concordância, sendo que a manifestação pode ser por palavras, gestos ou por outra qualquer evidência. O sexo é indiscutivelmente voluntário e, se não o é, não é legal (em caso de dúvida o melhor é desistir) e aqui torna-se necessário perguntar: como se avalia o consentimento, pois tudo é baseado na aprovação mútua, a passividade não é, nem pode ser sinal de concordância, como difícil se torna basear o acordo no gesto, na evidência ou mesmo na palavra. Se calhar o melhor mesmo é passar o assentimento a papel, numa declaração circunstanciada e assinar.
A Convenção de Istambul, assinada em 2011, passou completamente despercebida e a violência contra as mulheres, em vez de diminuir, infelizmente, aumentou. Portugal, nesta matéria, fez grandes avanços tanto no combate à violência doméstica, como no caso de violência sexual. A lei criminaliza os piropos e importuno sexual e a nova redação, dada ao artº 170 do Código Penal, agrava a moldura quando se trata de crimes cometidos sobre menores de 14 anos.
Isto de escrever sobre este tema é sempre difícil pois a constituição das palavras que servem de suporte a todas as ideias não passam de episódios soltos de um filme erótico, onde os ditos atrevidotes são o produto hipócrita de um embrulho de tabus e pequenas vergonhas.
A troca cúmplice de olhares, a insinuação, a indireta, a palavra, a saída à noite, o jantar romântico, o copo bem bebido, o encostar da perna, a festinha na mão, os corpos entrelaçados num slow onde se encosta a cabeça e a respiração ofegante junto ao ouvido determina tudo. O beijo prolongado, o corpo apertado contra o outro, com o sexo a fervilhar, deixam-nos no tal fogo que arde sem se ver numa descrição de toda a volúpia digna dos passarinhos de Anais Nin que nem o “Trópico de Câncer”, de Miller, ou a “História de O” conseguem narrar. E se assim não for o melhor mesmo é fazer desaparecer do mapa a Vénus de Peles, exorcizar o Marquês de Sade e regressar definitivamente à “Casa dos Budas Ditosos”.
Passeava outro dia em pleno coração da cidade quando passou por mim um rapaz que trazia vestida uma t-shirt onde se podia ler “Enquanto se dá uma queca morre uma alforreca”. Sorri e pensei para comigo: percebo muito bem a razão pela qual quando vou à praia levo sempre uma ferradela de um destes bichos. Depois de 650 milhões de anos de existência, estes animaizinhos, sem coração e cérebro, são assexuais, razão pela qual se reproduzem aos milhões, determinando a impossibilidade natural de todos os atos sexuais humanos poderem corresponder à morte de outros tantos cnidários, sem qualquer hipótese de os conseguir extinguir.
Assim, assumindo a completa impotência em acabar com esta espécie de predadores, qualquer dia, também por cá, num ato considerado divino, natural e de amor, seremos forçados, porque a lei até aí mete o bico, a declarar taxativamente “Sim. Quero”.
Com o andamento da carruagem e, se Centeno ainda andar por cá, sabe-se lá se a coisa não dá para o torto e passamos definitivamente a pagar imposto pelo ato. É só já o que falta. Como diz o povo: “Atrás de tempo, tempo vem”. O tempo é bom conselheiro. O tempo nos dirá…
Por: Albino Bárbara