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Sete escolas da “lista negra” à espera de centros escolares para encerrar

Nova infraestrutura da Mêda só abre no próximo mês, enquanto que o da Guarda e os dois de Foz Côa em Janeiro

A “lista negra” do Ministério da Educação (ME) aponta para o encerramento de 33 escolas do 1º ciclo do ensino básico na região, mas há sete que ainda estão de portas abertas, provisoriamente, por não estarem concluídos os centros escolares que vão acolher os alunos. No total, são quatro as infraestruturas em construção, das quais uma no concelho da Guarda, duas em Foz Côa e uma na Mêda. Deverão estar todos a funcionar em Janeiro. Neste arranque de ano lectivo, só Trancoso estreia um centro escolar, concelho que até nem perde qualquer estabelecimento de ensino.

O centro escolar da Mêda deverá ser o primeiro destes quatro a abrir. «O edifício está praticamente pronto e o que falta acabar são, essencialmente, os arranjos exteriores», adianta o vereador da Educação na Câmara, Anselmo Sousa, ao explicar que a autarquia optou por adiar a sua abertura para 6 de Outubro por «uma questão de segurança». Inicialmente, estava previsto entrar em funcionamento na passada segunda-feira. Apesar do centro escolar não estar pronto, a autarquia optou na mesma por concentrar já todos os alunos do 1º ciclo do ensino básico na sede do concelho. Tal como previsto, fecharam as três últimas escolas que ainda funcionavam nas aldeias – Poço do Canto, Aveloso e Prova, o que faz deste concelho o pioneiro nesta matéria na região. Todas as crianças deste nível de ensino, mais de 150, terão aulas até àquela data nas antigas instalações de duas escolas – entre as quais a Básica da Mêda, que fecha também a partir de Outubro. Relativamente às refeições, os alunos «almoçam todos na cantina da sede do agrupamento», informa Anselmo Sousa, garantindo que «não há qualquer problema» a registar neste início de ano lectivo.

No concelho da Guarda, o centro escolar do Vale do Mondego «está em fase de conclusão» e deverá entrar em funcionamento no início do segundo período lectivo, de acordo com o vereador da Educação na Câmara, Vergílio Bento [além deste, está em construção o centro da Sequeira, cuja conclusão está prevista para 2011]. A infraestrutura que está a ser erguida no Porto da Carne acolherá os alunos de Aldeia Viçosa, Vila Cortês do Mondego e Cavadoude. Até lá, as escolas destas aldeias estarão ainda em funcionamento. Ou seja, na passada segunda-feira já não abriram as escolas de Valhelhas e Outeiro de S. Miguel. Os alunos foram transferidos para o Centro Escolar de Gonçalo, inaugurado no ano passado. Também em Vila Nova de Foz Côa os dois novos equipamentos só estarão concluídos em Janeiro. O presidente da Câmara chegou a prever, no último mês de Agosto, em declarações a O INTERIOR, que pelo menos o de Freixo de Numão abriria portas no arranque do ano lectivo. Tal não sucedeu devido a «alguns atrasos», refere Gustavo Duarte, que diz agora que este e o de Foz Côa abrirão ao mesmo tempo.

Todo o 1º ciclo estará concentrado naqueles dois centros. Neste concelho continuam abertas, para já, as escolas de Almendra, Cedovim e Muxagata. Recorde-se que este ano lectivo fecharam sete escolas em Gouveia (Figueiró da Serra, Nabais, Ribamondego, Tazém, Vila Cortês da Serra, Vila Franca da Serra e Rio Torto), três em Figueira de Castelo Rodrigo (Algodres, Freixeda do Torrão e Mata de Lobos), três em Seia (Carragosela, Carvalhal da Louça e Travancinha), duas no Sabugal (Alfaiates e Vale de Espinho), duas em Almeida (Albino Monteiro e Amoreira) e ainda uma em Aguiar da Beira (Ponte do Abade), Celorico da Beira (Vide Entre Vinhas), Fornos de Algodres (Queiriz) e Fundão (Póvoa da Atalaia). Segundo o coordenador de Escolas do Distrito da Guarda, Agostinho Monteiro, não houve quaisquer protestos por parte de pais e encarregados de educação, tendo decorrido «tudo dentro da normalidade».

Fusão de agrupamentos em vários concelhos

Este ano lectivo fica também marcado pela fusão de agrupamentos em vários concelhos do distrito. As alterações acontecem em Trancoso, Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Gouveia, Sabugal e Seia. No caso de Trancoso, fundiram-se os agrupamentos existentes na sede de concelho (dois) e o de Vila Franca das Naves. Passou a haver apenas um. A gestão é feita a partir da Escola Secundária Gonçalo Anes Bandarra. Em Seia há agora dois: o Guilherme Correia de Carvalho, que integra também Loriga; e o de Seia, onde estão a Secundária, a Abranches Ferrão e Tourais-Paranhos. Em Almeida, o de Vilar Formoso fundiu-se com o da sede de concelho, sendo que também no Sabugal, em Figueira de Castelo Rodrigo e Gouveia passou a existir apenas uma única unidade de gestão. A Guarda é, no contexto do distrito, a que tem mais, num total de cinco.

Pais em protesto na Póvoa da Atalaia

Nove das 13 crianças da Póvoa da Atalaia, no concelho do Fundão, não compareceram na última sexta-feira na escola básica da Atalaia do Campo, para onde foram transferidas. Os pais estão contra o encerramento do estabelecimento de ensino. Como forma de protesto contra a criação do centro educativo das Atalaias – que prevê a manutenção do Jardim de Infância na Póvoa e o funcionamento da escola do 1º ciclo em Atalaia do Campo –, levaram os filhos para a antiga escola e não para a da aldeia vizinha. Acabaram por rumar a casa, até porque não foi colocado nenhum professor na primária da Póvoa da Atalaia. Há pais a quererem matricular os filhos noutras escolas, nomeadamente na Orca, por considerarem que a de destino não tem condições. Na segunda-feira, reuniram com a direcção do agrupamento e com a Câmara do Fundão, sendo que foi comunicado que não autorizarão transferências. Os pais prometem não desistir.

Câmara de Gouveia reivindica 600 euros por aluno

O município de Gouveia, o mais afectado com o encerramento de escolas no distrito, escreveu ao Secretário de Estado da Educação, no final de Agosto, a reivindicar uma comparticipação de 600 euros por aluno para despesas relacionadas com os transportes escolares. No último ofício, a que O INTERIOR teve acesso, a autarquia presidida por Álvaro Amaro refere que, no anterior ano lectivo, «o custo médio por aluno foi de 590,86 euros». A Câmara argumenta que as distâncias a percorrer neste ano lectivo «são praticamente superiores em todos os casos». Além disso, a autarquia relembra que as negociações com vista ao encerramento de sete escolas no concelho, estabelecidas com a Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), «tiveram por base o pagamento dos transportes relativos à deslocalização das crianças». No mês de Agosto, foi anunciado que a comparticipação do Governo seria, no mínimo, de 300 euros/ano por aluno.

A nova rotina do Bruno

Agora que a escola da Prova fechou, o dia-a-dia do pequeno Bruno mudou radicalmente. Nada será como no ano lectivo passado. Levanta-se uma hora mais cedo, deixou de almoçar em casa e, à tarde, só vê a família depois das 18 horas, isto porque foi transferido para a Mêda, onde passaram a estar concentrados todos os alunos do concelho.

«Antes saía da cama por volta das 8h15 e este ano, a essa hora, já tem é de estar à espera do autocarro», lamenta a mãe, Elisabete Ribeiro. Para o miúdo, a frequentar o terceiro ano, esta mudança resume-se a um pormenor, pelo menos para já: «Durmo menos», atira. «E entra em casa umas duas horas mais tarde do que no ano passado», acrescenta Elisabete Ribeiro, ao antever que nos meses do Inverno o seu único filho sairá e regressará a casa «de noite». Ao fim do dia, o autocarro sai da Mêda em direcção à Prova pelas 17h30. São 11 quilómetros de distância, duas paragens pelo meio, em Aveloso e Outeiro de Gatos, e uma meia-hora de caminho. Antes, Bruno estava “despachado” das aulas às 16 horas. Era a mãe que o ia levar e buscar à escola, a pé. «Os novos horários vão desgastar fisicamente os miúdos», receia esta mãe.

No entender de Elisabete Ribeiro, a decisão de encerrar a escola da aldeia, que no último ano lectivo funcionou com quatro crianças, irá, por outro lado, prejudicar a terra: «Os casais novos que estejam a planear ter filhos vão pensar duas vezes antes de decidirem onde morar e o mais fácil será fixarem-se na Mêda», refere. É que não foi só a escola do 1º ciclo do ensino básico da Prova que encerrou neste ano lectivo. «O jardim-de-infância também», protesta. À semelhança das crianças da primária, as do pré-escolar foram transferidas para a sede de concelho. «Aos poucos e poucos ficamos sem nada e a nossa terra mais vazia», queixa-se a jovem mãe, de 29 anos. Elisabete Ribeiro confessa ter «muitas dúvidas» que a concentração de todos os alunos na Mêda seja benéfica – principalmente até 6 de Outubro, data em que abrirá o novo centro escolar (ver texto ao lado).

Até lá, os estudantes ficarão instalados nas duas antigas escolas básicas da cidade. «Não é precipitado irem já para a Mêda quando o centro escolar nem sequer está pronto?», interroga. E lança mais perguntas: «Haverá realmente gente suficiente para tomar conta de tantos miúdos? Aprenderão mais só por estarem lá? E se o meu filho adoecer, como será? É que não tenho carta de condução e o meu marido estará a trabalhar caso seja preciso ir buscá-lo», acrescenta.

O fim da «escola de família» de Vila Franca da Serra

No último ano lectivo, Sérgio Jesus, de 7 anos, partilhava a única sala da velha escola primária de Vila Franca da Serra (Gouveia) com mais cinco crianças. E só não tinha laços familiares com apenas dois meninos. Os outros eram a irmã mais velha, que este ano já vai para o 2º ciclo, e dois primos. «Era como que uma escola de família», brinca a mãe, Cátia Fernandes, que se diz satisfeita com a mudança do filho para São Paio, a pouco mais de 10 quilómetros.

Sérgio, matriculado no segundo ano, faz agora duas viagens de autocarro por dia, sai de casa meia-hora mais cedo e regressa das aulas também mais tarde do que antes, mas a nova rotina não parece preocupar os pais. «Esta mudança vai fazer-lhe bem, a começar pelo facto de lidar com outras crianças e de poder ganhar independência da família», diz a mãe. Ao lado, o menino mostra-se entusiasmado com esta nova etapa da sua vida: «Há lá mais meninos e gosto muito da escola. É divertido», refere, num sorriso envergonhado. O entusiasmo é partilhado pelo primo Daniel, que está no quarto ano. «A escola de cá está velha e a de lá não», compara. De resto, o estado de degradação a que chegou o antigo estabelecimento de ensino de Vila Franca da Serra é outro dos motivos que leva Cátia Fernandes a concordar com a transferência.

«A escola de São Paio tem mais condições do que a nossa», constata, lamentando que não tenham feito obras no estabelecimento da sua terra nos últimos anos. «Nem pintavam as paredes», queixa-se. O mesmo não aconteceu em São Paio, cuja escola visitou antes do arranque do ano lectivo. Gostou do que viu: «Foi remodelada e tem refeitório», sublinha Cátia Fernandes. Antes, os seus filhos e sobrinhos almoçavam no centro de dia da aldeia dado que a escola não tinha cantina. «Mais importante do que ter uma escola a funcionar na aldeia é sabermos que os miúdos têm todas as condições para estudar», considera. Além disso, os pais de Sérgio não terão custos acrescidos com a transferência. Isto porque a Câmara vai suportar na totalidade as despesas de todas as crianças transferidas, nomeadamente o transporte escolar e a alimentação. «Portanto, são só vantagens», conclui a mãe de Sérgio Jesus. Vila Franca da Serra também ficou sem jardim-de-infância neste ano lectivo.

«A nossa escola até tinha condições»

No ano passado fechou o jardim-de-infância, desta vez foi a escola primária. Valhelhas (Guarda) é mais uma das aldeias da região que já não constam do mapa nacional da Educação. «Não compreendo este encerramento porque a nossa escola primária até tinha condições», protesta Emília Guerra, mãe de uma das oito crianças da aldeia que desde segunda-feira têm aulas na vila vizinha de Gonçalo, no centro escolar.

«Estamos a falar de uma terra onde até têm nascido crianças nos últimos tempos e que não vão ter jardim-de-infância nem primária», lamenta Emília Guerra, que «nem queria acreditar» que a escola de Valhelhas estava na lista “negra” do Ministério da Educação. «Uma aldeia sem escola é um deserto», considera. Além disso, diz que há como que «uma ligação sentimental» entre a população e a escola, que tem mais de 20 anos. Daí que lhe «custe um bocado» o seu fecho. Tem duas filhas: uma de 21 anos, que fez a primária na aldeia, e Marta, de 9, que foi agora transferida para Gonçalo, quando lhe falta apenas um ano para completar o primeiro ciclo. Ainda que a viagem de autocarro até ao centro escolar seja curta, de apenas sete quilómetros, a mãe diz-se preocupada com as deslocações. «A estrada está má. O que fizeram por estes dias foi só “remendá-la” e pouco mais», denuncia.

Por isso, está preocupada por saber que a sua filha tem de fazer «a viagem duas vezes por dia». Antes, Marta estava a 10 minutos a pé da escola. A transferência veio também alterar os planos da família. Este ano, Emília Guerra está de baixa médica, pelo menos até Dezembro, e contava levar e ir buscar a menina à escola diariamente, bem como almoçar com ela e acompanhar mais de perto as actividades escolares. «Do que tenho mais pena é de não poder vir almoçar com a minha mãe», confessa Marta, arrancando uma grande sorrido a Emília Guerra. «Gostava da minha escola e pronto», acrescenta ainda. Para a sua família, a «única boa notícia» desta transferência, na opinião da mãe, é o apoio financeiro que a Junta se compromete a dar a todos os pais dos meninos agora deslocados, nomeadamente ao nível das refeições e do ATL. O executivo liderado por Paulo Carvalho vai suportar a totalidade dos custos, o que se traduz, segundo valores adiantados a O INTERIOR pelo jovem autarca, «entre 250 a 300 euros por mês».

No concelho da Mêda já não há escolas nas aldeias Bruno passou a levantar-se uma hora mais cedo Sérgio Jesus e Daniel Oliveira estudam agora em São Paio Emília Guerra preferia que a filha continuasse na escola de Valhelhas

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